94. Generalidades sobre a metapsicologia
14/07/2020
Deve-se observar que muitas contestações do "saber" psicanalítico originam-se a partir de certa resistência contra o inconsciente e a favor do conteúdo manifesto. Tal constatação é ainda mais evidente se considerarmos não existir alinhamento da metapsicologia com qualquer sistema filosófico e que há sempre um espírito libertário no contexto do inconsciente, descoberta maravilhosa de Freud. A resistência é polimorfa, muitas vezes até sútil e certamente não apresenta inserção em nenhum partido político. É algo misterioso, regido por regras próprias.
Entre os psicanalistas, a realidade virtual é mais importante do que a objetiva e a do mundo externo. Não deve levar em conta os tecidos orgânicos, nem as secreções liquidas peculiares ao sistema biológico.
Trata-se aqui de um novo pensar, até filosófico e, como muitas vezes já mencionado em outros textos, que valoriza os aspectos linguisticos das associações das palavras. À medida que as pessoas humanizam-se pela linguagem, isso acaba sendo o mais importante. A neuropsicologia de Charcot e a antipsiquiatria diminuíram suas contribuições ao humanismo e não evidenciavam a natureza intima do diálogo, sem perceber outra natureza não biológica dos sujeitos falantes.
A metapsicologia caminha além da psicologia tradicional para explicar coisas diferentes. Agora, a ênfase é no irracional e no desejo humano, tão complexo, e nas defesas psicológicas envolvidas.
Enfatizamos que o desejo e o medo navegam nas ondas poderosas do psiquismo, no ser que se humaniza gradativamente. Sintomas fóbicos, obsessivos, histéricos, melancólicos e psicóticos povoam nossa alma e criam as desadaptações para viver o cotidiano. Como se sabe, a civilização implica aceitar regras básicas.
Freud e seus seguidores diminuíram o papel constitucional da natureza e criaram um novo determinismo na formação dos sintomas, dos sonhos e do psiquismo. Nada é só natural ou degenerativo. A ciência fantástica do inconsciente determina muitas coisas. Mesmo não sendo toda essência humana, é a senhora de nossa alma em conflito e em dúvidas.
Conforme é de nosso conhecimento, o determinismo muitas vezes é confrontado com o acaso e com a liberdade e, assim, caminha a humanidade. O acaso é similar a um homem alcoolizado que orienta os caminhos e descaminhos do indivíduo. Tanto a sorte como o azar criam nossos caminhos, nossas vidas.
A psicanálise pretende sempre ir de si mesma a si mesma, o que equivale a “torna-te aquilo que és”, mas com mais conhecimento, principalmente do mundo interior.
“Há, também, um ponto que me é caro: desobrigado de minha poltrona de analista, de minha função clínica, de meu papel de animador e de diretor de equipes terapêuticas, de meu período de meditação e do ato de escrever, aspiro que me concedam a paz com o freudismo e com as ciências humanas. Meus próximos podem dar testemunho de que sou totalmente destituído de ‘psicologia’ na vida quotidiana. Gosto de convívio com os meus semelhantes que não se mostram sedentos de intelectualização, admiro os homens de ação, os construtores, os grandes empresários” (Jacques Chazaud, no livro Contestações atuais da psicanálise).
A psicanálise é um processo longo e muito caro. Não pode pretender ser nenhuma espécie escolástica do inconsciente e não pode ser mesclada com carreira profissional. Alguma liberdade é possível e oportuna.
A vida deve triunfar sempre sobre a morte. Os dogmas não devem eliminar as contradições. Deverão sempre ser questionados, pois as perguntas sobrevivem. O mundo interno, principalmente, e o externo merecem novos entendimentos. Conhecer, construir, reconhecer e assim por diante. Processo dialético evolutivo, porém de muita complexidade. O papel do complexo surge em muitos textos nossos.
Os psicanalistas são pessoas e, portanto, pode ocorrer idealização e ruptura. Acredito que o básico permaneça sem sofrer grandes alterações. As escolas que seguem multiplicam-se em muitos países e, às vezes, encontram-se associadas com as paixões próprias de cada geografia e de cada tempo. Existem sempre as equivalências e cada um de nós faz suas escolhas, suas alternativas, seus caminhos nesta difícil avenida denominada psicanálise e metapsicologia. Dois nomes próprios, duas palavras, enormes significados no psiquismo de cada um.
É importante lembrar que cura, no caso, significa apenas mais autoconhecimento, ou seja, quando se trata do saber inconsciente, não significa oposição à doença. O objeto próprio desse saber é inconsciente, com todas as suas vicissitudes. Nosso métodos consistem em associações que criam um novo saber.
Fundamental se pensar que, na ciência epistemológica do falante, o sujeito observador é muitas vezes também o próprio observado. As dúvidas e as interrogações são numerosas e muitas delas devem ser respondidas ainda com “novas” construções. Isso parece que irá ocorrer sempre, ao longo dos anos, no passado, presente e futuro.
Na próxima semana escreverei sobre psicossomática.
LIBERDADE
Dentro ou fora dos armários, escolhemos.
Não somos mais otários.
Não voltamos aos porões.
Também não as senzalas.
Sempre e sempre,
poder democrático da escolha.
Mesmo que se morra,
não voltaremos à masmorra.
Não, somos livres até sem pão.
Não, autoritarismo, não.
Nunca nos renderemos à autocracia,
à oligarquia.
O poder da democracia
significa escolha.
Ainda que se morra.
Ainda que se morra.
Adeus a qualquer masmorra.
(poema de minha autoria)
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