93. O trabalho do negativo: pulsão de morte
07/07/2020
Pretendo nesta narrativa enfatizar o trabalho do negativo que um importante psicanalista pronunciou em uma conferência aqui no Brasil. Mas, é óbvio que, por outras razões, além do patriotismo ou um certo nacionalismo envolvido.
André Green diz não ficar muito à vontade quando se fala dele como um teórico. Nós sabemos que é bem difícil a teoria e clínica andarem juntas. Isso ocorre em vários aspectos, e você leitor já observou isso no seu próprio trabalho psicanalítico.
Para mim, é claro que não podemos fazer teorização anarquista, até sem limites que encontramos na clínica, nos nossos psiconeuróticos, nos nossos pacientes.
Já foi mencionado Green como aquele que enunciou o trabalho psíquico importante no mundo representacional, isto é, toda a nossa linguagem diz respeito a coisas que elas procuram revelar linguisticamente, com nomes, substantivos, adjetivos e verbos. Ou seja, por meio dessas coisas mencionadas, linguisticamente nós podemos fazer um certo entendimento da "realidade".
Nas histerias, algumas cadeias associativas ficam isoladas de outras, ou alguns dados foram encontrados no corpo, no orgânico, determinada "conversão". Assim descrevemos como já estava em Freud, as histerias dissociativas e as conversivas, as que dividem praticamente o indivíduo e as que criam paralisias e alterações funcionais em alguma parte desse organismo.
Você já sabe muito da pessoa meio sonâmbula, paralisada ou cega, mas sem comprometimento neurológico evidente, ou seja, indivíduos que sofrem e fazem sofrer, e não existe nenhuma lesão tecidual.
É bem oportuno recordarmos que é no âmbito das palavras, da linguagem e das cadeias associativas que encontramos o psiquismo, tão distante de qualquer organicidade neurológica.
Na observação dos sintomas fóbicos, encontra-se a projeção do mundo interno em alguma coisa que o indivíduo não vê correlação. Nos neuróticos obsessivos, existe um verdadeiro isolamento entre a representação de ideia e a afetiva. O paciente parece que não possui afeto, ou isto é bem deslocado para o mundo exterior. Entretanto, tudo se passa no mundo da linguagem representacional, sempre. A linguagem tentando explicar o desconhecido.
Conforme estamos narrando, o contexto é pulsional e não mais instintivo, como ocorre nos seres vivos que não são humanos. A pulsão, no ser humano, equivale ao instinto em outros seres.
Observa-se a existência de um objeto, do outro, que eu introjeto e também projeto, a partir do meu próprio self. Falamos aqui de um momento bem importante: a relação inter-humana. Talvez, o sujeito da falta? O objeto é o revelador da pulsão e diferente em cada um de nós, em cada momento de nossa própria história e muito diferente do que acontece também a tantos outros seres vivos.
Green menciona a história de um voyeur que se torna fotógrafo. Investe no desejo vinculado ao prazer em ver, em observar. Ele próprio admite que tudo é bem mais complexo. Ou seja, ele parte de um desejo aparentemente simples, mas que pode revelar toda uma complexidade pulsional no indivíduo. É uma caricatura do saber psicanalítico, aquilo que se observa no contexto.
Conforme sabemos, há um longo caminho para se alcançar uma verdadeira relação objetal, a rigor nunca atingida em plenitude, pois somos bastante imperfeitos para muitas coisas. Entendo que para a grande maioria das coisas. Devemos, como possibilidade de interagir, passar das zonas erógenas oral, anal, genital, complexo de Édipo dual, triangular e assim por diante. Éros é nosso condutor e assim vai possibilitando as conquistas, bastante complexas. O amor vai tornando as possibilidades mais verdadeiras, mais interativas e mais econômicas para cada psiquismo. Existe uma função objetivamente direcionada ao mundo objetal e, claro, há também o outro lado.
A função ligada à morte, ao negativo, ao nada, nos separa das coisas boas, daquelas que aumentariam nosso narcisismo positivo. Esta função separa coisas que deveriam estar integradas. Muitas coisas estão dissociadas a partir dessa função do negativo, mas para que ocorra a simbolização dessas mesmas coisas, em muitos momentos, é necessária essa separação.
Os limites entre o sujeito e outro são grandes. Trata-se aqui de uma função desobjetalizante e que prende o indivíduo em si mesmo, ou seja, é muito difícil a pessoa externar-se de modo verdadeiro. É só uma parte dela que é colocada na realidade externa.
Essa função aumenta nas perversões e nas psicoses e certamente empobrece a essência humana. É algo que diz constantemente ao sujeito um não. Uma negação bem orquestrada de negatividade e morte. O indivíduo isola-se do social, do outro e da realidade externa. Não deixa de ser o caminho escolhido para o mundo psicótico, no qual a loucura vai ocupando os espaços do sujeito com o outro.
Na próxima semana o texto será sobre generalides metapsicológicas.
MAR DE VIDA
Dor, angústia,
medo, tristeza.
Mãos dadas
juntas, certeza.
Poderosas emoções.
Eventualmente a ginástica.
Sobe em nuvem piroclástica.
Aventura, descaminho
sobra espinho.
Só o leme enfrenta
revoltas, perene.
E nosso corpo: treme.
Nas águas revoltas se geme.
Bem baixinho, se geme.
Poesia de minha autoria.
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