9. A metapsicologia
30/07/2018
Durante minha formação médica, fiz estudos de histopatologia por cerca de dois anos, em um pequeno grupo, com o iluminado professor Walter Maffei. Procurava o inconsciente nos neurônios, na materialidade tecidual. Em paralelo, fiz minha análise pessoal e participei de grupos de estudos com importantes psicanalistas.
Aos poucos, fui entendendo que os conceitos de verdade ou mentira, memória objetiva ou memória como lembrança, eram bastante relativizados pela associação fantástica de palavras próprias de cada mundo interno. A realidade objetiva, na grande maioria das vezes, é fabricada pelo inconsciente de cada um de nós.
Se alguém nos procura e faz minucioso relato sobre certa nave espacial que pousou em sua sala de visitas, temos obrigação de acreditar nisso, pois dessa forma ele vem construindo sua verdade e não pode ser objeto de nosso interesse pela realidade externa. Os fatos que explicam a lógica dessa verdade devem ser procurados na história desse indivíduo. Para nós, tem de haver um significado desse relato. Ele deseja algo que se produz no seu relacionamento com quem o está ouvindo. Ele transfere alguma coisa de seu mundo interno para nós. E os porquês disso vão relevando uma profundidade psíquica sempre construída pelas associações linguísticas, em um misterioso mundo sendo descoberto.
Para que você reflita com mais profundidade: alguém relata um sonho em que foi torturado e dolorosamente ferido em sua coluna cervical. O indivíduo sabe quem é seu torturador, mas este se encontra atrás dele e, portanto, não vê o seu rosto. Através de várias outras associações, pode-se concluir que o torturado sofre pelo próprio superego envolvido no desejo onipotente de salvar a humanidade. Agora, já se sabe que o indivíduo, após sofrer um torcicolo, foi medicado com anti-inflamatório e recebeu massagens no pescoço. Observe que a materialidade pode ter escolhido essa parte do corpo, mas somente as associações de ideias fizeram a construção onírica.
Freud teve dificuldade para modificar sua teoria relacionada com suas experiências nas histerias, estruturadas a partir dos "nervos verdadeiros" espalhados pelo corpo. Pela teoria inicial, o nervo criava o fenômeno doloroso. Depois, a psicanálise, com muita sabedoria, fez com que se pudesse concluir que as associações linguísticas criaram tudo, e a própria natureza do torcicolo pouco pôde representar psiquicamente. Apenas pode ter servido a uma estrutura reflexiva, representacional, que já se encontrava no mundo interno desse sonhador. Quem explica o psiquismo é sempre o psiquismo e, no caso, não é o neurológico historicamente pleno de Charcot.
Como o leitor pode constatar, Freud fala da estrutura básica do aparelho psíquico, sendo localização sempre virtual (representacional), e cria novas possibilidades para a explicação dos fenômenos psíquicos, até então incompreensíveis à luz do conhecimento tradicional e, portanto, comum ao status quo vigente em outras épocas.
Na próxima semana publicarei sobre os psicóticos e os sonhadores.
MINHA PSICANÁLISE
A psicanálise tropeça
no destino humano,
mas, ao menos,
tenta compreendê-lo.
O desejo será sempre
enigma e esfinge.
O desejo será sempre
o algoz de Édipo,
cada vez mais trágico.
Museu de tudo e do nada.
História e estórias.
Importa revelar
as tramas do inconsciente.
Trapaças, lapsos, atos falhos
no teatro do impossível,
que muitas vezes
se pretendem razoáveis,
acima das vicissitudes da emoção.
Tragédia nos acessos da dor.
Comédia nas periferias do prazer.
Estranha mistura de amor e morte.
Apolo e Dionísio
sem lugar no metrô,
sem site na internet,
sem rugidos no zoológico.
Carne e Verbo, afeto e escrita,
em algum lugar extrafísico.
Parte da verdade
habita espelhos
e labirintos.
No lugar do nada,
absoluta exclusão dos valores:
silêncio dos significantes.
Representações ilusórias, pobres.
Importa revelar
os dramas do inconsciente.
Cada ente merece
interpretação diferente.
Às vezes, ouço o rumor insólito
do significante.
Um minotauro
feito de sombra atiça-me,
assombra-me.
Publicada no livro "Luz e Sombra", escrito por mim.
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