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73. Comparação do Bispo do Rosário com Revière 1

18/02/2020

Quando se lê a história de Rivière (memorial, testemunhas e laudos) atualizada por Foucault, é pouco provável que os estudiosos brasileiros não comparem com o caso já bem mais atual do Bispo do Rosário, que ficou conhecido a partir de 1985, por meio de entrevista jornalística realizada na Colônia Juliano Moreira.

A seguir, enfocarei a semelhança entre esses dois alienados.

Tanto Rosário com Rivière eram muito religiosos. Era Deus quem mandava fazer suas obras e seus atos. A extravagancia de ambos era conhecida como um tipo de comportamento estruturado: psicótico, bizarro. Rosário era muito paciencioso e possuidor de bondade extrema, quase um verdadeiro anjo. Rivière era conhecido por suas atividades agressivas com pequenos animais e com certa intolerância face às crianças da pequena aldeia.

Os dois indivíduos, por razões inconscientes diferentes, apresentaram uma reação à dor, ao mundo sombrio e ao sofrimento. Tinham conflitos internos desconhecidos por eles, os quais criaram comportamentos extravagantes. As próprias vestes de Bispo do Rosário eram inadequadas. Usava em sua arte objetos peculiares. Em Rivière também se observa o uso de objetos não convencionais e até mesmo estranhos. Cabe observar que ambos disseram obedecer a ordens divinas. Parece existir um outro dentro deles, do qual surgem ordens.

Tanto na monumental obra de Bispo do Rosário, capaz de produzir e incentivar reflexões como no caso de Rivière, existe evocação de ordem divina. Rosário nunca negou o desígnio de Deus, enquanto Rivière manteve a dúvida sobre esse vontade: ora cometeu o assassinato por ordem divina, ora para evitar o sofrimento do pai relacionado com atividades da mãe e da irmã.

É claro que os dois indivíduos apresentam-se vinculados com a loucura. A alienação mental acentuada, ou nem tanto, originou certa prisão para Rivière e para Bispo do Rosário. Independentemente de qualquer diagnostico psiquiátrico, faltava-lhes liberdade. Ambos eram presos nas grades do excêntrico e do inadequado. Tanto na Colônia Juliano Moreira como na prisão e depois no hospital, eles não conseguiram a plena cidadania.

É muito provável que Foucault não tivesse conhecimento de Bispo do Rosário, apesar de ter passado algum tempo no Brasil. Como se sabe, o francês era filósofo e, portanto, pensador. E soube até, como poucos psiquiatras, enfocar com profundidade a loucura.

Bispo do Rosário foi levado à Colônia Juliano Moreira por vadiagem, e claro, loucura. E lá permaneceu por 50 anos. Tinha muitos estigmas que facilitaram a atuação despótica do poder. Era pobre, nordestino e preto, além de ouvir vozes e ter comportamento bastante estranho. Só poderia ser internado e sofrer as vicissitudes do autoritarismo manicomial. Ele inventava objetivos comuns: os que conseguia, e dava a eles um novo e mágico aspecto. Assim foi se defendendo das regras manicomiais.

As vozes eram divinas e tinham poder de julgar os humanos vivos ou mortos. A principal diferença com Rivière é que nunca cometeu maldades. Para o psicanalista é bem óbvio o “falar com Deus” e assim produzir, por meio Dele, um "bom" narcisismo, um poder para o humilde humano que foi tristemente destruído no convívio civilizatório da sociedade. Sua veste paradoxal criava um homem diferente dos outros, uma unicidade mágica.

Acredito que muitas manifestações megalomaníacas ocorreram e ainda acontecem como reação de pobres indivíduos expulsos de algum jeito, que ficaram à margem dos parâmetros, das regras civilizatórias.


No próximo texto continuo a narrar as comparações entre Bispo do Rosário e Rivière.

VITÓRIA?

Mundo do sempre.
Mundo do nunca.
Palavras eternas.
Livre de datas.

Texto da atemporalidade,
contexto sem cemitério,
luzes e luzes na cidade.

Sombras, silêncios, túmulos.
Sempre, nunca,
palavras fortes.

Datas que não datam.
Fazem na vida arruaça.
Quebram nossas janelas,
destroem nossa vidraça.

Cada intimidade fracassa,
tanto vendaval devassa.
Tanto faz dar
ou receber a taça.
Não há campeão algum.


Carlos Roberto Aricó

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