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70. Elogia da loucura 3

10/12/2019

Erasmo, em vários textos, descreve que, na loucura, o poder não costuma ser aceito, pois a responsabilidade é sempre muito maior do que ele, louco e quase qualquer outro ser humano. Ou seja, é muito difícil o enorme tamanho das responsabilidades ditas civilizatórias e que nos influenciam no cotidiano.

Defensores da Igreja, como padres, cardeais, escolásticos e teólogos, buscam nas escrituras suas provas de um saber mítico, criando formas e significados que possam corresponder aos seus gênios e suas complexidades anímicas. Ou melhor, as suas personalidades. Assim, as interpretações das estruturas são verdades em profusão para eles. Esses religiosos procuram sempre criar as certezas de seus inúmeros discursos.

Freud assinalou que o discurso da certeza é próprio dos psicóticos e paranoicos. Eles amam seus discursos e não podemos dissuadi-los nesses equivocados procederes. Nesses discursos, as verdades ficam longe da bela simplicidade de Cristo. Observa-se neles tantas parábolas e a mesmice dogmática da fé. Retórica e discursos fanáticos interpretam tudo à luz de pretensas verdades, como fazem certos loucos em seus delírios proféticos, mágicos e tão "verdadeiros".

Sabemos, inclusive, que muitos cardeais e outros religiosos julgam-se descendentes dos apóstolos em suas intermináveis projeções míticas, em que dogmaticamente acreditam. Conforme o leitor pode constatar, os loucos de "verdade" e muitos que estão servindo ao poder em funções até despóticas não se constituem em pessoas livres. Encontram-se presos às inúmeras regras, bastantes discutíveis, originadas no processo educacional.

Não podemos reduzir tudo a uma alteridade entre sujeito e objeto para certa visão do mundo. Erasmo e a loucura, psiquiatras, psicanalistas e as psicoses... Nomear tudo nos tranquiliza, mas não produz conhecimento útil. O entre nós deve criar mais histórias para se compreender. A interpretação hermenêutica não pode transformar-se em dominação. Somos também loucos e os loucos também são constituintes da verdade. Assim, vamos criando nosso entre nós e também nossa sempre imperfeita epistemologia. A priori, só projetamos, não aprendemos nada. Só a relação com o outro ensina ou pode ensinar alguma verdade.

​É terrível o sujeito de cada observação fazê-la do lugar da autoridade. Temos de esvaziar a memória constituinte dos a priori. Como a psicanálise sempre enfatizou, aceita-se algo do mundo externo, nossa identificação introjetiva, se esse algo não for diferente do mundo interno. Se for, faz-se a identificação projetiva: coloca-se na realidade externa algo que não se aceita, e obviamente observamos mal o objeto em estudo. A epistemologia é baseada nas representações mnêmicas já conhecidas. Assim, para entendermos a loucura, é necessário levar-se em conta nossa loucura. Erasmo e a loucura apresentam partes muito semelhantes entre si, como conhecemos cada um de nós, mesmo sendo diferentes, como somos.

DIFERENTE

Em tudo só mesmice.
Elegi em tudo o igual.
Em vão algo novo.
De novo a mesmice.
Só mesmice: um final.

A temporalidade eterna.
Todos relógios quebrados.
O mesmo apartamento.
Mesmos móveis e objetos.

Em tudo repetição evidente.
Fracasso absoluto do diferente.
Experiências iguais.
Resultados também... Iguais.
Sempre os mesmos... e iguais.

Cotidiano conhecido.
Segundos idênticos
a outros segundos.
Horas, dias,
meses, anos...

Tudo repetido.
Calendários: os mesmos.
Mesmice, mesmice...
O igual de sempre.
O igual tremulante.

Bandeira do "deja vu"
repetição,
conservadorismo absoluto.
Idêntica ação.


(poesia de minha autoria)

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