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68. Elogia da loucura 1

26/11/2019

No livro escrito em 1508 por Erasmo e dirigido a More, o autor do lugar inexistente, A utopia, julgou conveniente divertir-se com um elogio da loucura. Deseja e espera receber aprovação do amigo: “Estimo que estejas são e tomes animosamente a parte de tua loucura.”.

Trata-se de uma declamação feita por Erasmo de Rotterdam, na qual se observa inicialmente que existe uma loucura em cada um de nós, uma estranha imaginação e desrazão apaixonante. É claro que a verdadeira loucura aprisiona o ser humano em um mundo delirante e alucinado.

Não farei elogio algum dessa prisão psicótica na qual vários indivíduos perdem sua liberdade e deliram ser outros nesse mítico lugar até hoje desconhecido em profundidade. Só alguma criatividade pode aparecer no esquizofrênico. No restante de cada pessoa existe um monstro que corrói todas as hipóteses de adaptação interna e na relação com os outros.

O elogio realizado por Erasmo diz respeito às partes boas que possam existir até no alienado, no solitário, no triste e incapaz indivíduo. Este elogio não pode ser considerado no momento de estigmatizarmos almas infelizes. Aos menos, deve ser utilizado no insólito sofrimento de tanta gente.

Agora, pretendo refletir sobre as menções feitas por Erasmo, que, já no ano de 1508, conforme enunciei, refletiu de modo muito criterioso e profundo sobre os vários aspectos da loucura. Quando necessário, transcreverei literalmente suas observações, bastante uteis aos nossos conhecimentos, até nos dias de hoje.

Caro leitor, tanto eu como você devemos ter muitos cuidados. De maneira enfática, nada de juízo de valores. Nesta civilização negativa e sempre objetivando punições até descabidas, não se deve julgar ninguém, sobretudo em nossas potencialidades estranhas. Estas são desconhecidas em profundidade, como tenho escrito. O juízo de valores, se pode ser feito, tem relação direta com a verdade, que é paradoxal, insólita e talvez articulada com a fé, na esperança de um porvir melhor a toda humanidade.

Chama atenção o conflito entre vocabulário e memória. Duas manifestações humanas e, portanto, linguísticas. No dizer de Pitágoras, só o homem tenta ultrapassar os limites impostos pela natureza. Todos os outros seres vivos permanecem nos limites prefixados na natureza. A civilização não aceita os limites, porém é sempre muito difícil ultrapassá-los.

É como na observação de que os sábios são tristes e até melancólicos e os loucos são felizes por viverem na escravidão das ilusões. É claro que não são tão felizes assim.

O homem não costuma ser feliz, mesmo quando existem as numerosas modalidades de loucura dentro de seu mundo interno. O conflito entre a loucura e suas paixões é estabelecido nas razões da sabedoria. O indivíduo deve observar-se nesses dois contextos, pois tudo e tanto nesse mundo diz respeito a sombras e aparências. A complexa comédia humana é povoada por esquecimento, sono profundo, volúpia, humor, fadiga, sonho, autoestima e tantos outros elementos.


Na próxima semana seguirei esse tema de Erasmo, descrevendo aspectos da loucura.


COMIGO ME DESAVIM

"Ai o destino dos homens,
ai o destino de mim.
Corta-se a voz ao princípio,
tranca-se o soluço no fim"
(Sá de Miranda)

Comigo me desavim,
escuto som do perigo,
distante algum abrigo,
difícil fugir de mim.

Vago... Gente vadia.
Talvez até fugiria
de mim
se de mim pudesse
partir nesse dia a dia.

Comigo me desavim.
Contigo estranho festim.
Choro sânscrito, latim.
Línguas mortas vivendo em mim.

Comigo me desavim.
E todo lugar um perigo.
Nada bem na paz comigo,
tudo a fugir de mim.

Se por certo acaso,
no ocaso fugir de mim,
serei apenas palhaço,
nunca serei arlequim.
Serei só um homem triste,
e nessas sombras meu fim.

Comigo me desavim.
Transporto dúvidas e sangue.
Festa de brilhante carmim.
Constato as horas passadas,
esse é meu pobre jardim.


*Releitura de Sá de Miranda, In' Antologia Poética"
(poesia de minha autoria)

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