57. Tortura: do sádico ao poder estatal
09/09/2019
Parece-me obvio que um sádico pode torturar muito alguém, e isso pode provocar um trauma que o indivíduo terá de administrar. É uma carga grande de energia agressiva, principalmente, da qual o Ego terá de dar conta.
O problema maior é a tortura” como terrorismo psicológico de Estado, sempre organizada e bem racional em contextos sociopolíticos diferenciados. Também pode ocorrer o desaparecimento de pessoas, em sequestros, bem como adoção irregular de crianças.
O indivíduo vitimado nessas circunstâncias observará em seu mundo vários aspectos que abalarão ainda mais sua estrutura. Terá de lidar com tantas outras variáveis e provavelmente continuará, ainda que dentro de si, a sofrer de modo permanente, até à morte, as consequências e sequelas da tortura.
De repente, o inimigo é o amigo de sempre: o Estado e a Pátria, mesmo que representados por várias outras circunstâncias envolvidas. A vítima torturada continua sendo torturada...
Sua inteligência analisará todo o alcance de tanta violência que o Estado origina em situações como essa.
A pessoa perde definitivamente sua identidade e narcisismo e, assim, fracassa em inúmeras referências. Não existe e nem existirá para sempre a estrutura do Ego tão influenciado por outros caminhos. Qualquer referência pessoal não tem mais nenhuma orientação fora do contexto de tortura. Esse ser morto é vivo apenas no eterno sofrimento, em uma memória confusa e no enorme medo de enlouquecer. Não consegue mais por conta própria sentir, querer e até pensar. O mundo interno e a realidade objetiva tornam-se mesclados e aleatórios à razão e inteligência próprias do ser humano, já não mais tão humano assim. O indivíduo vive separado de si próprio, fragmentado em suas convicções e muito dividido em seu psiquismo.
Leitor, desejo enfatizar o que estamos considerando. O sádico, é claro, pode ser usado para compor a instituição da tortura no Estado terrorista, mas, quando isso é ausente, a hipótese do estresse pós-traumático produz ansiedade, depressão, cefaleia e insônia. Porém, depois de muitos anos, não produzirá alucinação e delírio. Isso provavelmente ocorrerá na tortura ligada ao Estado, na qual a vítima sente-se perseguida e existe falta de confiança geral. Todas as pessoas estão articuladas com o sistema e não se pode confiar em ninguém: nem no psicoterapeuta ou no psiquiatra, que fazem parte da persecução instituída.
Conforme estamos narrando aqui, trata-se de uma bem feita política para a instituição da tortura em um determinado Estado, com o propósito de destruir modelos de identificação e até substituí-los por outros. Desse modo, parece cirurgicamente massacrar o Ego da vítima.
A “demolição" da personalidade significa a erosão dos valores próprios e das convicções de cada indivíduo torturado. Existe uma verdadeira ciência para tornar a vítimas bem mais propensas às psicoses e ao suicídio do que a população em geral. Produz-se, dessa forma e para sempre, a “demolição" do narcisismo da vítima, que não raramente pode trocar de comportamentos para algo próximo ao dos próprios torturadores ou de outras pessoas desejadas para “a morte dos indivíduos”.
Já muito se conhecem as alterações graves na autoscopia corporal, e várias pessoas torturadas buscam as drogas, álcool e outros subterfúgios para o falso equilíbrio exigido na vida. Não se pode acreditar na naturalização da tortura como algo banal e que possa acontecer livremente. É sempre muito negativa. Infelizmente, não raro entre os vários países, num mundo dito civilizado.
Já falamos do maior índice de psicoses e suicídios nos indivíduos que foram torturados, mas não existe um conjunto de sintomas e sinais peculiares nessas desumanas possibilidades. Em geral, além de tantos problemas físicos e mentais, as vítimas enfrentam intenso sofrimento de culpa por terem sobrevivido aos maus-tratos terríveis. Por que apenas eu me salvei? Por que ainda estou vivo? Por que não delatei ou por que delatei meus amigos e conhecidos? Perguntas de sofredores, às quais não existem respostas adequadas.
Até o ilegítimo amor pelas pessoas pode ser modificado. Na famosa Síndrome de Estocolmo, cria-se um amor falso e sempre complexo entre agressores e vítimas. Estas devem ser cuidadas por ortopedista, traumatologista e outros médicos, no tocante aos problemas orgânicos. Entretanto, para que sejam ajudadas na difícil reconstrução de sua identidade demolida, devem ser tratadas pelos psiquiatras, incluindo o uso da psicofarmacologia, como a administração de antidepressivos e ansiolíticos, por exemplo.
Jamais se deve subestimar os terríveis danos que a tortura provoca nas emoções e na psique de uma pessoa!
Na próxima semana, escreverei sobre as relações doentias entre o sexo e a violência.
ASSIM.
Luto ou gala,
e a vida continua.
Nem se escuta, nada se fala.
Dor, alegria, e um barco navega.
Só ilusão se carrega.
Medo ou esperança,
e os dias passam.
Cotidiano imprevisível.
Dialeto incompreensível.
Futuro absolutamente
desconhecido além do Norte.
Risco de vida morte,
azar ou sorte.
Risco de saúde, doença.
Algo se pensa.
Risco de júbilo, sofrimento.
Verdade ou fingimento.
Auroras e crepúsculos passam.
Noites e dias passam.
Tudo ou nada inexistem.
Assistem ao tempo
transformador absoluto,
perene, orgulhosamente indiferente
a qualquer vã filosofia.
Amor ou ódio passam mesmo
como deveriam passar e passar.
Resta a esperança.
A finitude e sempre nossa eterna inquietude.
Restam as crenças.
Absoluto nada,
nada irresoluto
em luto de tantos dias.
Restam algumas lógicas,
absoluto acaso.
No fundo e no raso.
Restam as letras, as palavras,
os discursos, a civilização,
ou simplesmente ignorância,
na ânsia diabólica de tantos letrados.
(poesia de minha autoria)
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