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53. Neurose, psicose e criatividade 2

12/08/2019​

Desde o início (1898), Freud considerava a criação como defesa contra as recordações infantis incestuosas. Cada autor reproduz a novela familiar estruturada nos temas de adultério e filhos ilegítimos. A imaginação projeta-se a partir da vivência nova até o passado remoto, originando temas de vingança e expiação. Comparava as estruturas das obras literárias com as produções oníricas. Assim, os sonhos criam e recriam a vida emocional articulada com a infância.

​Em 1900, após menção explícita ao Complexo de Édipo, Freud enfatizava novamente o incesto próprio da novela familiar, mostrando-nos que, em Hamlet, o autor e o personagem estão envolvidos nas chamadas produções do inconsciente, que revelam a camada mais profunda dos impulsos na mente do escritor criativo.

Em 1906, Freud procurava explicar a criatividade em Jensen relacionada também ao âmbito das fantasias incestuosas do autor, por meio de experiências remotas da vida infantil.

Mais tarde, em 1907, a ênfase dirige-se à necessidade de criar fantasias para fugir da realidade opressiva, difícil e inóspita. Os jogos e brinquedos infantis são equivalentes às produções imaginárias do artista, que sempre remetem aos desejos infantis que continuam a mobilizar cada um de nós. Por exemplo, o desejo humano de onipotência determina a temática do herói. Assim, a fragilidade do homem face ao universo que o cerca encontra apoio na magia de poder representada pelo herói todo poderoso que realiza as aspirações impossíveis, mas, ainda assim, sempre desejadas. Sabe-se que alguns autores buscam na infância coletiva da humanidade, por intermédio das lendas e dos mitos, o material mais adequado para a produção de criatividade.

Em um trabalho feito em 1910, Freud procurava descobrir as leis que regem cada ser humano, analisando a vida e obra do genial Leonardo da Vinci. Tais leis, ainda que geradas na mais remota infância do indivíduo, são capazes de produzir tanto os comportamentos neuróticos como a expressão criativa. Demonstrou nesse contexto, que, em várias pinturas de Leonardo da Vinci, existiam aspectos relacionados à sua homossexualidade latente. Mais uma vez, a obra criativa evoca e emerge de um complexo emocional do autor. A arte e o artista bebem da mesma fonte. Assim, dentro desse enfoque, em 1914 Freud anunciava que as obras criativas em geral passam algumas coisas relacionadas com as emoções de quem as cria. Isso fica evidenciado no estudo sobre Michelângelo.

A estranheza e o sobrenatural também se expressam nas obras literárias. Em 1919, Freud observava a oposição entre os fatos reais e o delírio e, ao mesmo tempo, a ambiguidade entre o ser humano e o autômato. Analisava, na ocasião, a novela familiar de um modo bastante peculiar. Aqui, a novela é vivida no plano sobrenatural, no qual os limites entre a fantasia e a realidade são imprecisos e permeados pela angústia e medo. Freud, mais uma vez, insiste na novela familiar, bem como na relação entre o psiquismo do artista criador com sua produção literária.

Enuncio de modo bem resumido as principais considerações feitas por Freud sobre a criatividade, com ênfase nas articulações entre a novela familiar e a produção artística.

No momento, meu interesse dirige-se à sublimação. Esta é um dos conceitos mais misteriosos da psicanálise e permite ao sujeito humano aprender com a experiência e criar no campo artístico ou científico. Trata-se de algo que transcende à sexualidade, embora se origine das pulsões sexuais. Não se conhece a natureza íntima desse processo, no qual o impulso sublimado objetiva um alvo diferente do sexual, valorizado socialmente sob a aura de sublime.

Assinala Freud: "A pulsão sexual põe à disposição do trabalho cultural quantidades de força extraordinariamente grandes, e isto graças à particularidade, especialmente acentuada nela, de poder deslocar o seu alvo sem perder, quanto ao essencial, a sua intensidade. Chama-se a essa capacidade de trocar o alvo sexual originário por outro alvo, que já não é sexual, mas que psiquicamente aparenta-se com ele, capacidade de sublimação”.

Utilizando-se de uma metáfora extraída da química, o criador da psicanálise enunciava a existência de compostos sublimados que passam diretamente do estado sólido ao gasoso, sem passar pelo estado líquido. Isso parece transmitir a ideia de algo que ultrapassa o esperado e rompe com a ordem estabelecida. O comum da ordem, ou seja, o ordinário emergente da norma encontra-se agora subvertido por uma possibilidade nova e incomum.

A energia dessexualizada deslocando para atividades não sexuais, ou seja, libido sublimada, conforme enfocarei mais tarde, tem a ver com a travessia do fantasma realizada pelo sujeito e implica a possibilidade de transformar a castração imaginária em simbólica, na qual, ao se produzir o sublime, algo é criado, substituindo a falta primordial.


Na próxima semana seguirei esse assunto.

MOMENTO

O que sempre se olvida,
tristeza, despedida?
E... segue tensa a vida.
Em cada rua ou avenida.
Dos deuses,
vê-se um novo enredo.
Cada um sem medo
atravessando o rio do degredo.

Entre fremir e frenesi,
ambos tão hécticos,
navega a sorte
nenhum suporte,
no contexto tragicômico
de cada vida
Entre fremir e frenesi,
a sorte: gozo héctico dos deuses.


(poesia de minha autoria)

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