19. Considerações sobre a CID-10
08/10/2018
Inicialmente, farei algumas observações sobre a CID-10, utilizada em todos os documentos brasileiros relacionados à psiquiatria e sancionada pela WHO (World Health Organization) de Genebra. Trata-se de uma classificação que permite o uso de uma linguagem própria à classe psiquiátrica como um todo e, além disso, propícia uma estatística para os chamados transtornos mentais. Somente por essas duas razões já vale a pena o seu conhecimento.
No início da CID-10, já se enunciam duas possibilidades de se fazer uma abordagem clínica: uma tentativa para o diagnóstico e posteriormente um diagnóstico confiável, ou seja, aquele que preencha uma grande maioria dos sintomas vinculados a determinado transtorno.
Existem numerosos psiquiatras que dizem ser possível e confiam de modo quase absoluto nos diagnósticos. Só então encontraríamos os psicofármacos mais adequados a certos transtornos. Como é amplamente sabido, o ser humano não cabe em nenhuma formulação teórica ou até mesmo clínica. Quando se dirige a busca do livro CID-10 ou qualquer outro, a necessária neutralidade desaparece, ou, na melhor das hipóteses, diminui. Quando o indivíduo busca qualquer coisa é porque tem uma motivação interna ou certo interesse pessoal, mesmo que inconsciente. É oportuno considerar que ele habita um mundo articulado com a dominação. Isso já foi salientado várias vezes. Assim, qualquer discurso clínico obedece às estruturas do poder sociopolítico e econômico. A ciência tropeça na aspereza do chão de cada realidade humana.
Em outra oportunidade, enfocarei os riscos de uma normatização do ser humano, tendo em vista alguns comportamentos dos mais leves, em termos antissociais, até alguns que são julgados e condenados a partir do código penal. De um lado, o desejo e suas habituais transgressões e, de outro, as estruturas do poder.
Logo na introdução da CID-10, surgem problemas de terminologia relacionados a alguns conceitos. O primeiro deles diz respeito ao chamado transtorno. "O termo transtorno é usado por toda a classificação, de maneira a evitar problemas ainda maiores inerentes ao uso de expressões tais como doença ou enfermidade. Transtorno não é um conceito exato, porém é usado aqui para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível, associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais. Desvio ou conflito social sozinhos, sem disfunção pessoal, não devem ser incluídos em transtorno mental, como aqui definido" (Página 5 - CID-10).
Conforme se constata, essa classificação procura minimizar alguns comportamentos humanos e praticamente todos, no âmbito de vocábulos como doença e enfermidade, segundo um modelo médico, especificamente psiquiátrico, para se referir à ideia de transtornos. É claro que está em jogo a dialética entre normalidade e normatização, a partir de modelos historicamente estabelecidos no campo do poder.
As mesmas considerações podem ser feitas para o DSM V ou DSM 5 (Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais - 5.ª edição). São, também, classificações que objetivam uma terminologia comum e um mesmo diagnóstico para fins de tratamento. Criação de uma mesma linguagem para melhor compreensão. É claro que, como em qualquer classificação, dar nome ao que é observado em vários contextos pode ter caráter punitivo ou, no mínimo, normalizador, sobretudo quando se baseia nos modelos considerados.
No próximo texto, enfocarei os psicofármacos mais utilizados.
TRANSPOSIÇÃO
Ventura, prazer, desejo
enunciam paraíso.
Eu nada vejo.
Já não conta juízo.
Sofre
e sofre o sertanejo
no destino rude
sem gracejo
No canto,
em tantos cantos,
não há encantos.
Florescem espantos.
Ventura, prazer, desejo,
volúpia sem pejo.
Inútil festejo.
Dia a dia
A barriga vazia,
de cada sertanejo.
Ventura, prazer, desejo.
Só festa nesse injusto cortejo.
Esta poesia é de minha autoria.
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