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17. Natureza ou cultura no ser humano (as drogas e a moral) 2

24/09/2018

Como já apontado anteriormente, não podemos fazer da psiquiatria e da psicanálise uma nova religião inventada ou construída pela classe dos doutos, como foi pelos sacerdotes em outro âmbito, para conseguir a dominação das pessoas e de sua interação com outros membros da sociedade. Os moralistas, em qualquer setor, objetivam denunciar vícios ou erros que eles próprios não compreendem. Interesses pessoais relevantes, é claro, escapam da hipocrisia dominante. O interesse pessoal, por exemplo, face às drogas, não pode ser considerado verdadeiro. O gostar ou não gostar das alterações de consciência produzidas por certas drogas não pode ser legitimado no complexo campo do psiquismo humano. Isso pode, isso não pode. É normal, não é normal.

A descriminalização das drogas psicoativas obedece a uma certa tendência universal. Se isso ocorrer no Brasil, a superpopulação nas cadeias diminuirá bastante. É útil separar verdadeiramente o viciado e o usuário do narcotraficante. Nenhum deles pode estar preso, a não ser os violentos, os armados e os chefões.

A política no combate às drogas tem de ser revista e modificada, independentemente de qualquer escolha feita por qualquer indivíduo. A legitimação deve sempre obediência aos critérios técnicos.

A sensibilidade moral desemboca nas paixões, que nunca podem ser as fontes de nossas luzes, possivelmente utópicas. No abismo e dúvidas de cada momento histórico, nunca devemos caminhar sob o império poderoso das paixões. Elas originam ideologias que promovem desvio estrutural das instituições, engendramentos absurdos e leis. São classificações interessadas, que produzem significação aos costumes, que não podem constituir a natureza humana, que absolutamente não existem. É sempre um produto do momento histórico expresso pela classe dominante.

Com base nas contradições, nos interesses e nas leis, podemos repensar muitos aspectos da relação complicada entre os homens. A justiça e, claro, a verdade nunca podem ultrapassar a feliz coincidência de nosso próprio interesse, como o interesse público. Na natureza real não há bondade nem maldade. Não há punição e nem honra. Devemos questionar inclusive a paixão pela humanidade nesse verdadeiro e profundo jogo de interesses. Nossa independência ou indiferença devem estar articuladas com o saber psiquiátrico e metapsicológico no campo de classificações, leis e diagnósticos. O mesmo pensando nas hipóteses ou certezas por um tratamento possível. Em nosso silêncio e em nossa solidão, poderemos encontrar algo que possa verdadeiramente ajudar o indivíduo que nos procura.

Conforme o leitor está observando, sou contra o entendimento dos fatos psíquicos em termos de classificação diagnóstica e tratamento. Parece-me óbvio que tudo isso e o que foi feito até hoje têm grande utilidade prática. Isso é inegável. Porém, qualquer generalização é perigosa. Cada pessoa é singular e única e, assim, os aspectos, a meu ver principais, sempre poderão ser criticados.

Num momento filosófico, sabe-se que a razão e a reforma no entendimento durante o Iluminismo não explicam o comportamento humano, que ultrapassou a natureza por meio das significações linguísticas e de sua própria estrutura histórica.

Ao triunfo da razão, pretendo demonstrar no âmbito do possível um pouco da desrazão e suas amplas vicissitudes. Nossa metafísica é a história e a luta de classes a ela pertencente, pelas quais se desenvolveu a estrutura de dominação. De modo especial, consideraremos a relação entre o homem e os outros homens. A biologia e organicidade cabem a outras ciências em geral. Isso também já foi enfatizado.

A razão sozinha não pode ser o motor da história. A dialética e um novo modelo para o contexto social civil permitiram abrir novos caminhos. A propriedade privada: quando alguém disse "isto é meu", e a maioria acreditou, fez originar a sociedade civil e a gênese de outro estado social.

Estamos enfatizando que o motor do desenvolvimento social não é apenas a tomada da consciência de si por parte de uma razão eterna. A dialética da história ocorre entre os erros e acertos que regem o comportamento dos seres humanos. A desrazão confronta a razão e assim vai se produzindo um novo homem. Insisto que a natureza é um pouco da espécie e da filogênese. Cada indivíduo (humano mesmo) ultrapassa a natureza biológica e orgânica. É apenas o fundamental em sua vocação contrária à natureza, por intermédio da linguagem e por outras significações muito importantes. O sentimento de finitude ou de morte também produz reflexões humanas. Surgem reflexões sobre o tempo. A realidade simbólica serve de suporte para os ideais e, claro, a metafísica. A natureza dos problemas humanos origina-se da relação do homem consigo mesmo e com outros. Daí a história com seus contratempos. Um contrato entre os homens para amenizar aspectos sexuais e agressivos em direção a domesticar impulsos pode criar tanto a saúde como a doença no psiquismo de cada um.

Bondade, piedade, maldade, honra, riqueza e fama, como estamos observando, são construções sempre humanas que não obedecem à natureza. Portanto, não podem ser evocadas dentro apenas do âmbito filogenético. Todo juízo moral que supõe a sociedade ajuda a desenvolver um contrato social no qual o interesse de alguns sobrepuja, como sempre, o interesse da maioria.

Veremos uma história da fé. A beleza de uma flor, noite bem estrelada, chuva e cheiro de terra, uma criança, mãos dadas, tudo me faz acreditar em uma força superior: "Um Deus". Terremotos e vítimas, violência, gritos de dor, ruído de bombas, e já não acredito na utopia divina. O lugar agora parece pertencer ao Diabo. Bondade ou maldade mesclam-se em cada indivíduo, em cada contexto, em cada história. Acredito que Deus e o Diabo são reflexos do homem. A ética está estruturada dentro de cada um de nós. A fé, ou a crença, é claro, também fazem parte do suceder humano, mas não iremos tratar disso tudo, tão complexo, tão cheio de mistérios ao longo dos tempos.

Desse insólito mundo interno que nos provoca dor e alegria, desse insólito mundo interno do qual sabemos tão pouco, apesar de sua grandiosa importância, devemos tratar com cuidado. Pouco sabemos de nossa mais profunda intimidade, mesmo levando em conta o saber do inconsciente individual e coletivo que habita a alma de cada um de nós. Insisto: pouco sabemos e vamos, sempre que possível, procurar esse conhecimento, mas não trataremos disso tudo que pressupõe algo extremamente duvidoso, enorme e, na maioria das vezes, sempre desconhecido.

Questões articuladas à fé possuem suceder tão íntimo, tão pessoal. Não tenho muitas palavras direcionadas para esses temas, sempre muito complicados.


Na próxima semana escreverei acerca da normalidade psíquica.

O OUTRO LADO

Outra a margem.
Estranha margem.
Chego lá.
Certeza, chego lá.

Hoje,
daqui dias,
ou muitos anos.

Chego lá,
pois ousei ser vivo.
Células muitas,
em harmonia.

Às vezes,
o descompasso.
Desequilíbrio.

Chego lá, sem pressa.
Passos lentos,
braçadas lentas.

Braçadas, passos,
harmonizam travessias.
Outras vezes
quase afundo.

Mas a margem continua lá:
dizem meus mortos,
em tempo de tristeza.

No contratempo angustiado,
entre lágrimas
ou esperanças.

E quase nada se espera.
Agitação de ontem.
Calmaria de ontem.

Hoje, tudo mais devagar,
passos medrosos,
passos claudicantes,
Trôpego.

Depois,
já na outra margem,
eu vejo...
Eu penso, sei lá…


Essa poesia de minha autoria é inédita.

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