16. Natureza ou cultura no ser humano (desejos e narcisismos) 1
17/09/2018
Civismo, crueldade, falta à palavra dada compõe a violência na formação dos estados. Será que o combate a violência só pode ser feito com mais violência? Revoluções em alguns países não fizeram estados bons, com menor desigualdade. O mesmo se pode dizer da violência simbólica, sutil, silenciosa, produzida por normas internas e até jurídicas articuladas com as estruturas de dominação onde somente uma minoria comanda quase tudo e tudo permanece igual mesmo no decorrer dos tempos, da história, da realidade.
Os desejos dos homens são múltiplos, insaciáveis, narcísicos. Está em sua natureza querer e poder desejar tudo. Descontentamento e enfado caminham junto ao homem frustrado no desejo incondicional de sempre.
A ideia e reflexão sobre a morte deve fazer o nascimento da razão e claro da desrazão, ambas articuladas ao desejo. A morte também é o juiz natural da vida e da negação dela, pela violência própria da natureza.
Como estamos enfatizando, o homem possui algo bem orgânico, sua natureza e organicidade, mas também sua artificialidade filogenética, por intermédio da linguagem e da finitude. A animalidade do ser humano resulta da força e da violência na luta pela sobrevivência e pelas novas adaptações, dificultando assim as possibilidades de morte e de finitude. A igualdade entre os homens, em todo planeta, não pode existir e até a ajuda reciproca acontece apenas entre grupos que atacarão outros indivíduos até o alcance triste da supremacia e força no âmago do poder.
As leis não limitam a liberdade, muitas vezes egoísta, mas nos orientam em conformidade com os interesses de uma minoria que usa a violência natural e também da violência simbólica. E tudo, como estamos enfatizando, continua igual nessa guerra de cada um contra todos ou de certos grupos humanos contra os demais. Liberdade sem lei é tão somente uma espécie de licença temporária à espera do narcisismo de morte em cada pessoa vivente nos amargos conflitos próprios do nosso mundo interno e da realidade peculiar aos ditames externos.
Conforme estamos enunciando até de modo repetitivo, existe em cada homem animalidade e não animalidade. Em cada indivíduo o instinto se transforma em pulsão, mas não desaparece sua organicidade. As representações ideativas (palavras) e as representações afetivas vão organizando e estruturando o psiquismo. Esta fronteira entre o somático e a linguagem vai produzindo uma forma de se tornar humano. Corpo e psiquismo em cada indivíduo fazem cada indivíduo de modo singular, único, com as próprias contradições, parte boa e ruim.
Razão e imaginação constituem a parte psíquica do homem, ou seja, sua não animalidade. Território, força, sexo e alimentos fazem parte da organicidade do homem e, é claro, de todos os seres vivos: campo das necessidades. Na porção psíquica do homem observa-se o campo dos desejos no qual a linguagem, a razão moral, as diferenças, obedecem a uma ordem interna em cada não animalidade, em nosso "tropeço" filogenético absurdo, ilógico e irracional. Utiliza-se aqui da razão e força para tirar proveito de qualquer contexto e, claro, fora do âmbito da necessidade ou até imerso nele.
Para administrar as necessidades e particularmente os desejos, o homem junta-se com outros e fabrica o chamado contrato social. Esse diz respeito as ideias e também aos ideais de uma determinada época histórica. Certa utopia, em termos de ideais, agregam-se a realidade de tantas ideias e desse modo até simplista começa a existir os primórdios da democracia representativa, as leis jurídicas, a cidadania. Isso tudo depende da economia política e da estrutura ausente que vão transformando os homens mais inteligentes e mais hábeis, os mais cínicos e espertos, em políticos de várias áreas. Hoje o poder encontra-se associado ao narcotráfico, indústria bélica e energética, ou seja, em todos os níveis de poder.
O legislativo, o executivo e o judiciário estão bem articulados com o poder e uma minoria comanda a grande maioria dos homens chamados livres. A verdadeira soberania encontra-se nos representantes políticos dos poderes e esses juntamente com a mídia, religião, classificações até psiquiátricas, criam e mantem a desigualdade no âmbito da sociedade humana e da, assim chamada, civilização. As estruturas ausentes comandam o ser humano para alguns poucos que vivem e exploram a maioria dos indivíduos. A constituição e suas interpretações alicerçam o poder jurídico e fornecem uma liberdade controlada. O poder muda de mãos, mas continua tudo igual.
A produção da sociedade, da cidadania e da civilização de modo mais consciente e até inconsciente vai alimentando direitos escusos e punindo homens justos. Hoje o grande legado constitui o sistema capitalista. Algumas utopias nunca conseguiram ser nada além de capitalismos de estado. Somente um estado único no planeta todo pode ser desintegrado para o crescimento não de individualismos verdadeiros, mas de individualidades verdadeiras. Sabemos o quanto de utopia terá de ser transformada e isso será o processo contínuo para a construção de uma civilização melhor, inclusive no respeito à ecologia. Infelizmente em um futuro bastante distante.
Censura e revolução necessariamente ajudam para que tudo permaneça do mesmo modo, insistimos nisso. As mudanças de verdade são sempre muito temidas. É difícil o equilíbrio entre a liberdade de um indivíduo com os outros até nos chamados sistemas democráticos. Injustiça e corrupção maculam todo o contrato social existente. A desigualdade floresce, tantos espinhos machucam cada um de nós e percebemos nossos conflitos. Todos são iguais perante a lei: cinismo, absoluto cinismo. Todos são iguais, mas alguns, nesse contexto, sempre serão mais iguais do que outros.
Na próxima semana tratarei da Natureza e Cultura no ser humano II (as drogas e a moral).
SER POETA
"Ser poeta é a minha maneira de estar sozinho"
Fernando Pessoa
Quero ser o que não fui.
Ser gesto
sem movimento,
carícia paralisada.
Desejo
sem ardência,
emoção bem gelada.
Quero ser o que não fui.
Paraíso sem Pasárgada.
Inimigo de qualquer rei.
Sem me saber só,
sem saber que sei ou só serei.
Quero ser o que não fui.
Nada de poética.
Nada de evocação.
Nada de lirismo,
nem impensada ação.
Ser tantas pessoas,
ser tantas bandeiras.
Quero ser o que não fui.
Bandeira e Pessoa
seguem, atemporalidade.
Eu vi Bandeira sozinho no tempo.
Perdido na vida.
Eu vi o Pessoa sozinho na vida.
Perdido no tempo.
Quero ser rio,
quero ser sempre rio e correr,
serpenteando acasos e ocasos.
Estrada insólita,
caminho sempre incompressível.
Só, nas curvas dos rios.
Essa poesia de minha autoria é inédita.
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