148. A psicopatologia da vida cotidiana: releitura de Freud
O livro que dá título a essa reflexão, publicado em 1901, é certamente o mais traduzido e editado dentre todos os de autoria do grande inventor do psiquismo. Freud já havia escrito o Mecanismo nas neuroses (portanto, os sintomas da histeria) e, logo a seguir, a Interpretação dos Sonhos: neste trabalho, sobre o qual já escrevi, ele se dedica com mais exemplos, que vale a pena o leitor reler, a tudo aquilo que nos acomete no cotidiano e perturba nossa razão, pois obedece a outra razão descoberta por ele: a do inconsciente.
Agora, não se trata mais de sonhos aos quais foram atribuídos pouco valor, nem das psiconeuroses. “Diferente” de nós e emerge no dia a dia de cada indivíduo. Trata-se de um processo geral.
Quase nunca esquecemos ou fazemos algo que não desejamos. Foi "sem querer” quase não existe no psiquismo. Foi querendo ou não querendo por razões inconscientes. Assim, esquecemos, por exemplo, algum nome e outros costumamos afluir praticamente ao acaso. Como se sabe, nunca ao acaso: o determinismo inconsciente criou outros nomes no lugar do nosso esquecido. Descobrir o porquê é papel da interpretação dos mecanismos envolvidos. Nunca é por acaso. O cansaço e algumas outras preocupações podem apenas tornar tudo mais frequente, mais agudo, mais claro.
Tanto o esquecimento como lembranças escondidas obedecem às leis do inconsciente descobertas por Freud, a partir da observação dele mesmo, de seus pacientes e do cotidiano de várias pessoas próximas. A causalidade produzida no inconsciente sempre alterou nossa memória. Quanto mais esforço fazemos, maior o número e a importância de outras palavras articuladas ao nosso esquecido, que insistimos na recordação. Já em 1898, em carta a Fliess, Freud dava importância aos atos falhos. Sintomas de coisas que não podemos recordar, pois existe aí recalque e seus múltiplos determinismos. Tornar consciente o inconsciente é uma tarefa difícil, complexa e exige muito tempo.
São três condições para esquecer-se de um nome: certa disposição para esquecer esse nome; um processo anterior de suspensão, é claro, articulado ao inconsciente; e associação “livre" entre o nome esquecido e os outros nomes substituídos. Tudo isso obedece às leis próprias do inconsciente. Nem sempre se deseja a presença, no inconsciente, de alguma palavra da própria língua ou de outro país. Algo pode opor-se à realização do desejo que em determinado contexto não pode ser evidenciado, demonstrando alguma razão do distante inconsciente.
Às vezes, é um grupo de palavras esquecido. Pode ser mais fácil descobrir-se. Algumas recordações da infância, com significado importante, podem ser ocultadas por alguma lembrança encobridora. Lapsos de linguagem podem parecer até afasias, mas em geral obedecem ao inconsciente.
Qualquer parte de um texto escrito ou sua leitura podem estar obscurecidos. Os lapsos de escrita são mais comuns. Estão envolvidos com o desejo, com o ódio do inconsciente, gracejos e elaboração secundária. Um cheque sem assinatura, por exemplo, pode significar um cheque anulado ou esquecido.
Na maioria das vezes, aquilo que pode causar desprezo é ocultado no psiquismo, no qual as instâncias superiores inibem as inferiores, dentro de certo mapa arquitetônico, que também obedece às resistências. Em geral, inclusive nas pessoas normais, as resistências nos defendem do desprazer e das impressões aflitivas capazes de remover estados de ansiedade. É claro que a estratificação do psiquismo não costuma ser tão lógica e razoável.
Freud salienta e explica várias causas para esquecimento, julgamento equivocado e atos concretos. Motivação, decisão, capacidade e escolha, nada fica fora do alcance da motivação básica que está no interior do nosso psiquismo. É claro que é possível o livre-arbítrio e o poder da escolha. Mas, os equívocos surgem. Determinismo e acaso sempre podem dirigir nossa vida cotidiana.
A superstição, o domínio da fé, a esperança, o natural, o sobrenatural, tudo pode modificar nosso dia a dia.
Quando um paranoico relaciona alguma pequena mudança exterior a certa gravidade no seu cotidiano, aí devemos pensar como psiquiatra, como parte de nossa formação de saúde mental, com psicologia. Isso, é claro, ultrapassa os modelos conhecidos. Corresponde a um lugar imaginário, virtual e estranho. Pessoas do contra. É outra memória e nunca apenas uma falha, um equívoco, um erro.
BRINCANDO:
Às vezes, brumas, incertezas
escapam dos abismos do silêncio.
Pensamentos tornam-se espumas,
insolúveis, diluídas.
Brisas escapam
pelos dedos angustiados.
Leveza transparente,
dia a dia.
Amorgrafia, sonho e
pesadelo.
Dorgrafia complicada
pelo não.
Incerta melancolia
fingindo poesia.
Carlos Roberto Aricó
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