top of page

14. Memória, linguagem e os traços mnêmicos

03/09/2018

Parece não haver muita dúvida quanto à chamada "memória" biológica, evidentemente ligada aos neurônios. Existem os circuitos facilitadores que permitem aos humanos e outros primatas superiores buscarem um caminho mais fácil para as lembranças. O DNA impera nesse jogo, no qual a organicidade encadeada em sucessão determina o uso dos traços mnêmicos.

No início de nosso desenvolvimento ontológico, permanecemos em um estado de homeostase, o qual proporciona também muito sono. Somos mobilizados por uma inquietação que tende a procurar objetos para que em seus encontros nos faça retornar ao estado de quietude, sono e homeostase.

Ao encontrarmos um objeto (leite materno, música emitida pela mãe, equilíbrio ou algum cheiro especial), criamos no psiquismo primevo uma vivência de satisfação ou de insatisfação e desconforto nesse mundo interior, início de tantas histórias para cada um de nós. Se, em outro momento, nossa quietude for perturbada, de imediato possivelmente não iremos procurar algo próprio para nossa tranquilidade. Vamos, sim, buscar a vivência anterior de satisfação ou insatisfação e desconforto já articulada como traço mnêmico e linguagem primitiva. Assim, retornaremos ao estado de quietude. Excitação e repouso, tranquilidade e inquietude vão produzindo várias correntes associativas posteriores.

Essa memória é afetiva (dor e prazer) e linguística, marcando e constituindo nosso psiquismo para responder-se a todos os estímulos que motivam alguma coisa e ameaçam nossa homeostase, nosso equilíbrio, nossa tensão interna.

A partir da constituição do universo linguístico, já temos instalado o desejo e abandonamos, por um bom período de tempo, o contexto das necessidades humanas vinculadas aos instintos. Já estamos no campo misterioso das pulsões e suas consequências quase eternas na vida de cada um de nós. ​

Os instintos, ao serem inscritos dentro do psiquismo, originam as pulsões e estas, seu representante afetivo e o representante ideativo. Assim, palavra e afeto são produzidos no campo pulsional.

Procuramos sempre, antes de tudo, em nosso interior mnêmico, todas as lembranças necessárias para os estados presentes de inquietude e alterações endopsíquicas. Procuramos sempre, em nossa referida memória, o conhecimento obtido por intermédio de uma associação de ideias feita no jogo atuante de palavras próprias de linguagem, que vai criando um magnífico mundo interno, sempre articulado ao estilo de cada indivíduo que habita determinado contexto.

É muito importante salientarmos que toda nossa linguagem tenta colocar certa ordem no caos que vivemos interiormente e nunca pretende colocar ordem na realidade do mundo objetivo. Pensamos para organizar nosso psiquismo e universo (inclusive outros psiquismos). Pensamos para colocar ordem no caos que impossibilita nosso estado de equilíbrio, sempre interno em suas repercussões mais profundas. A ordem nos acalma, porém não costuma domesticar a realidade das coisas externas. Durante muito tempo nem se interessa por isso. O psiquismo em cada indivíduo procura estabelecer certa ordem por meio de palavras (representante ideativo da pulsão) e afetos (representante afetivo da pulsão). Assim, surgem os desejos, que diferem das necessidades biológicas individuais.

Nosso psiquismo vive ao deus dará, como sempre acontece. Construímos e descontruímos a partir das palavras inseridas em nosso contexto humano, demasiadamente humano. Conforme estou enfocando, nosso psiquismo é feito de linguagem e, portanto, na relação entre significante e significado. Em outro lugar, explicarei um pouco mais esses aspectos. Do jogo de significantes cria-se um determinado significado. Este, sempre no campo transferencial, ou seja, na relação entre o analista e o analisando. Foi Lacan que enunciou o famoso retorno a Freud, uma releitura em termos linguísticos do saber metapsicológico.

Como observamos antes, existe a realidade objetiva, por exemplo as coisas não organizadas pela linguagem, e nós nos influenciamos nessa ordem, recorrendo à memória do já visto e já conhecido. Quanto às opiniões, também queremos aquelas já formadas. Enfatizando o já dito anteriormente: as palavras não têm nada a ver com as coisas. Apenas mostram um caminho conhecido. Apegam-se a ele e às opiniões, e tudo isso nos livra do angustiante impacto com o novo, com o diferente. As opiniões prontas nos protegem das infinitas possibilidades das associações de ideias e, é claro, de palavras que constituem nosso enigmático modo de pensar. ​


Segunda-feira que vem falarei sobre prazer e dor.


SOBRE ONTEM:
O pouco caso das autoridades destruiu parte de nossa história, parte de nossas lembranças.

O poder do fogo e o poder dos desonestos associam-se na insólita destrutividade capaz de tanto.

Esse museu era um pedaço da alma de toda civilização.

Só as elites frequentam museus? Só as elites apreciam cultura?
E a vida segue como sempre.​

DOMENICO DE MASI
"Malgré la merde, je croix."

Maurice Bejart

Rede versus
linha de montagem,
e segue uma extensa viagem.

Campo ou indústria?
Rural ou urbano?
Conflito cotidiano.
Sujo manto desliza o capital.
Nada,
e nada santo.

Em cada atalho,
o trabalho tenso
versus ócio.
O sujo negócio
do ladrão.
E em cada sócio.
luta de classes, sem sacerdócio.
Tempo algum para o equinócio.

Enorme o grupo
dos explorados.
Pequeno,
seleto,
grupo dos eleitos.
Repetem-se
cotidianos desfeitos
os mesmos defeitos.

No afogo dos males,
criam-se as regras do jogo.
Luta de classes dissimulada.
Harmonia desejada.

A verdade fracassa,
em solene arruaça.
Quebram-se vidros,
quebram-se vidas.
Impossível caça.
Tantas ideias,
tolas ideias
misturam-se em vidraça.

Black-blocs da vida
misturam-se
a dívidas e dúvidas.
Mascarados ou não
misturam-se com nosso espanto
procuram o canto da libertação.

Na linha de montagem,
uma eterna viagem.
Campo ou indústria.
Rural versus urbano,
Processo insano.

Trabalho versus ócio.
Ócio versus trabalho?
Muito se mistura
nesse baralho.
Sempre o enorme grupo
dos explorados.
Bem seleto o grupo
dos eleitos.

A sutil e dissimulada luta,
estabelece as regras
de cada jogo.
No afogo morre-se.
Do hipotético sacerdócio,
floresce um bom negócio.

E nós de alguma forma,
somos sócios desta civilização,
repressora do ócio.
plena de ódio.
Nada mais é santo.
No manto cruel, conflitos.
Nos acobertam, nos acovardam
indiferentes.


É a primeira vez que essa minha poesia é publicada.

© 2023 por Nome do Site. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • YouTube
  • Instagram
fim%20do%20vi%CC%81deo%20(3)_edited.jpg
bottom of page