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130. Psicanálise: a profissão impossível

04/05/2021

A memória e as frases dos gênios, dentre vários outros achados, encontram-se presos nos museus da vida. Não podem sair, a não ser quando algum indivíduo poderoso queira. Os loucos, quando caminham cegos, alteram a humanidade. Assim como cada paranoico que dirige a vida de muitos, nos hospícios do que é chamado de civilização.

A escritora e jornalista Janet Malcolm publicou, em 1980, um livro que fez sucesso nos Estados Unidos. No berço da liberdade e da democracia, escreveu com muito êxito sobre "Psicanálise: a profissão impossível”.

A autora, com muita sabedoria, de algum modo procurou insinuar que os pacientes de Freud não eram tão pacientes assim. Ela cita inclusive Molière e que muitos dos psicanalistas queriam apenas dinheiro nessa profissão estranha.

A realidade pode superar a ficção? Talvez. Porém, nós analistas queremos que nossos pacientes apenas conheçam melhor o mundo interno que existe em cada indivíduo e não abandonem a realidade objetiva e externa de tudo o que existe. E isso é muito difícil.

Malcolm escreve que o objetivo do saber freudiano é pretender transformar o sofrimento histérico em infelicidade comum. Isso a custo de muito dinheiro, hipocrisia e insensibilidade. Um novo teatro, falso, artificial é feito nessa relação entre o psicanalisa e o seu analizando.

Toda a obra de Freud destinou-se a novas reflexões acerca do psicanalista, do analizando, das contínuas idealizações, das dúvidas, das correntes entre os indivíduos e a coletividade. Qualquer profissão pode ser impossível e se transformar em teatro.

Em psicanálise, o teatro, sala do psicanalista, é um retrato teatral de propósito para que cada analizando revele-se por meio das interpretações, nesse mágico mundo do faz de conta. Tudo é possível com qualquer palavra isolada ou não. Tudo linguisticamente pode, e então o inconsciente vai revelando-se, porque nessa estranha profissão as coisas imitam ou refletem a vida. Pode-se falar tudo, mas, claro, não se pode fazer tudo.

O bom psicanalista sabe ou vai percebendo aquilo que parece ser. É lógico que certeza não existe. A realidade objetiva talvez nem precise existir para que se aprenda muito sobre ela. No faz de conta, deixamos de lado um pouco da civilização que penosamente adquirimos, que também nos prende.

Precisamos observar outras possibilidades sobre nossas escolhas. Assim, em alguns momentos, inventamos, idealizamos e podemos aparecer em nossa essência, em nossas partes mais recônditas da própria civilização.

A realidade objetiva nos esconde e não nos releva. O teatro é necessário e, claro, cuida de dúvidas reveladas.

Malcolm parece enfatizar o livro "Análise Terminável ou Interminável", obra na qual o próprio Freud não acreditava muito: questionava a eficácia da psicanálise e, principalmente, seu caráter profilático. Não tenho dúvida alguma de que a ciência do inconsciente produz e produziu mais conhecimento sobre uma arte oculta em cada indivíduo e que fora explicitada pela análise. Já observamos ser difícil tanto a formação do psicanalista como fazer a psicanálise.

Tanta coisa é difícil, talvez até demais. Porém, não são impossibilidades paralisantes. Também nos parece claro, como foi para Freud, que duas pessoas permanecendo juntas criam uma relação transferencial tão importante, como foi estudado por ele.

Freud escreve que parece ser impossível analisar as pessoas. Educá-las e governá-las, também. Se isso tudo fosse impossível, um mundo sem educação e sem governo, nós seríamos piores ainda. Não há dúvida dos conflitos, dúvidas e das inúmeras questões a serem enfrentadas e definidas. Temos de tentar, e várias vezes conseguiremos, apesar de tantas dificuldades.

Qualquer profissão seria impossível se o indivíduo não se dedicasse e não se esforçasse para um bom final, terminável ou não. Para mim, muitas vezes querendo continuar, mas chovendo no molhado, a psicanálise pode terminar. Já a busca do eterno conhecimento pode tornar tudo interminável. Psicanalizar é uma profissão muito difícil, mas não é impossível. É sempre muito utópico imaginarmos um ideal civilizatório para nossa atuação.

Todos nós escondemos infinitas histórias e problemas. Ocultamos ou procuramos fazê-los segredos a serem decifrados à luz do saber psicanalítico. Nosso mundo interno é ilimitado, complexo e contraditório.

IMPOSSIBILIDADE

Viver, uma guerra.
A realidade tortura,
nossos sonhos,
loucura,
a fuga e o nada
Sempre desabam.
Viver é difícil.
Ofício complicado,
nosso sonho, nossa loucura.
Ilusão.
Cria-se o sim.
Apesar de tanto não.
Nosso sonho, nossa loucura:
água em pedra dura.
Clarão na noite escura.

Carlos Roberto Aricó

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