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13. O corpo da letra

27/08/2018

Agora, o enfoque diz respeito ao corpo da letra ou ao enredo do desejo e também da letra. A palavra aqui foi reduzida simbolicamente a uma letra em função da zona erógena sempre articulada ao prazer. Verificamos em Leclaire a insistência da cadeia significante, da letra na simbologia do Homem dos Lobos e do Homem dos Ratos, ambos os trabalhos realizados na metapsicologia freudiana.

O ciclo do desejo é definido em função da zona erógena que configura o corpo do prazer. A chupeta, o dedo e o seio materno constituem a zona oral, prazer na boca. Qualquer parte do corpo, é claro, pode ser uma zona erógena em potencial. Freud assinalou aquelas que todos sabem pela evidência de suas manifestações de prazer/desprazer. Letras ou, mais precisamente, palavras estão vinculadas a essas partes do corpo erógeno e sensível.

A palavra possui, como temos observado, uma materialidade extraída do corpo erógeno e se constitui como elemento formal localizável no objeto do desejo humano. Essa materialidade expressa como palavras ou letras pode apresentar-se de modo diferente em várias formas possíveis.

Em o Homem dos Ratos, Freud escreve sobre o indivíduo marcado pelo erotismo anal, que temia por roedores nos túmulos e fazia a palavra rato significar criança e moeda (florins). Tinha medo exagerado de sífilis, por ele transmitida através desses animais. Em sua história, apresentava certa irritação no ânus, causada por vermes. A partir de certa ocasião, ele teve ambivalência com relação ao casamento. Freud assinala o termo heiraten. Não concordava com a dívida do pai causada pelo jogo: spielratte. As palavras alemãs rattus como rato e raten como prestação foram muitas vezes utilizadas por ele. Como o leitor pode compreender, o inventor da metapsicologia estava, como cada um de nós deve estar, atento a cada palavra: insistência da cadeia significante.

As palavras (ou letras) não são utilizadas de modo neutro como foi expresso várias vezes anteriormente. Estão, na maioria dos contextos, articuladas à agressividade e à sexualidade. Estão sempre no indivíduo, em sua procura por se comunicar com o outro ou no próprio mundo interno. O indivíduo está sujeito às leis próprias do inconsciente e influenciado pela condensação e deslocamento ou pela metáfora e metonímia associadas ao desejo de cada um, em um psiquismo estruturado como prazer/desprazer. As palavras dificilmente conseguem neutralidade, conforme observamos e já enfatizamos em outros textos. Insistimos muito sobre a falta absoluta de neutralidade. Na ciência do inconsciente, a neutralidade não pode existir, conforme temos observado, porque ela é determinada pelo desejo de cada um de nós. São importantes as observações acerca da neutralidade utópica, pois nossa comunicação interna e externa escapa muito da lógica articulada à razão. Como se sabe, a razão não significa necessariamente poder.


Na próxima semana, falaremos sobre a memória, a linguagem e os traços mnêmicos.


SOBRE O ABORTO

Temos de ter cuidado para a administração de valores éticos absolutos, certamente religiosos. O aborto não pode ser criminalizado pois depende da consciência moral de cada mulher. Hipocrisia pensarmos que não existe essa discutível e costumeira prática em nossa civilização. O pecada obedece a uma lei quase sempre divina. Muito cuidado.

“Deixem seus rosários longe dos meus ovários” - frase de uma mulher pró-aborto em protesto na frente do STF.



ONDE SE APRENDE?

Misturar-me com todas,
com tolas, à toa.
Atordoado,
já não sei se sou.
Ocupar-me do menor espaço
entre humanos. Doce espaço
no compasso sensorial vencedor.
Intimidade, sem sonhador.

O passo do erotismo
nada ensina,
Corpos equivocados.
Só os mesmos pecados.
Sabedoria pobre.
Rostos, pernas,
peitos, mãos, bocas molhadas.
Enfaticamente
busca-se algo.

Alguma verdade
na vertente dos corpos?
Memória silenciada pelo nada.
Nada a aprender,
só desvario dos encontros.

Nada a aprender nos encontros
normalizados pela civilização.
Nada a aprender no certo,
no errado.

Vida das possibilidades,
vida dos sonhos.
Vida de tolos pesadelos.

Misturar-me com todas,
espertas ou não,
atordoado
já não sei quem sou.


Essa poesia, de minha autoria, é inédita.

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