129. Verdade ou não?
27/04/2021
Inicio este texto com uma questão complexa. Muita coisa advém da realidade e muitas têm origem no mundo interno, projetado feito uma realidade. Nem o saber científico, nem o religioso e outros saberes dão conta do mundo, que depende inclusive do local e do tempo onde o fato ocorreu. Nem por tudo isso devemos inventar ou criar uma realidade falsa, mentirosa, inventada ou projetada. Duas pessoas mentindo sobre um fato podem fazer parecer que ele é verdadeiro, mas isso não é simples e definido pelos envolvidos.
Quero deixar claro que não existe raça superior e verdadeira que se sobressaia a outra e à maioria. Tudo pode ser negro, branco, oriental e, dessa forma, a etnia vai se limitando, como deve ser.
Não existe supremacia racial. É claro que somos diferentes, até nas várias formas de inteligência. A maioria não é inferior, mas assim pode ser considerada. A altura e outros atributos biológicos possuem o valor que quisermos atribuir, e este varia muito. O melhor, o pior, o mais feio, o que apreciamos: tudo depende das nossas escolhas, nem sempre razoáveis. A pessoa branca, negra ou oriental escolhe e é escolhida no âmbito de tantas escolhas razoáveis ou não.
Veja você, leitor, o racional sempre é vitória da razão iluminista e, claro, sempre projetiva. Não podemos decidir nada sem nossas teorias internas e controversas de uma certa estrutura interna, evidentemente individualizada pelo “saber" próprio do nada saber.
E o mundo é assim. Achamos que sabemos e não é possível esse saber significar sabedoria. Nossa verdade nunca é feita dos fatos verdadeiros em um mundo cada vez mais complexo, como o de hoje. A verdade é no máximo religiosa. Se tanto, ela vive e se estrutura em coisas discutíveis, plenas de dúvidas, de conflitos e de acasos.
Qualquer sistema ideológico é um conjunto de ideias, de associações, de textos. Só pode ter significação e subsistir se estiver ancorado, aparado, em práticas sociais concretas, não apenas em regras e fantasias próprias da civilização humana. O mesmo devemos refletir sobre sexo, orientações especiais e até sobre democracia ou meritocracia. Os valores humanos fogem e não dependem só de seus indivíduos constituídos. Compromisso político, social, econômico e tantas outras influências costumam estabelecer o proibido e o acerto na sociedade. Muita coisa merece novas reflexões, nunca definitivas ou corretas. As ilusões e os preconceitos caminham junto de nós, com muita força e sutilmente até. Acredito que a história seria escrita novamente sem grandes alterações nesse complexo e injusto mundo novo.
O neocapitalismo e as doutrinas alicerçadas na exploração do trabalho dos outros estão no poder excessivo de autoridade, sempre mesclada com o viés científico de filósofos e pessoas intelectualizadas que cumprem esse terrível colonialismo, racismo, apartheid e tantas outras ideias que alimentam as diferenças entre os homens. Mentiras são reveladas como nosso saber peculiar às estruturas sociais falsas. São muitas as sombras que encobrem e disfarçam as desigualdades sociais e injustas.
Quero expressar algumas reflexões breves acerca de um terrível crime ocorrido nesses dias, em nosso já tão sofrido país. O menino Henry, de apenas quatro anos, sofreu lesões múltiplas no fígado, no joelho e no cérebro. Num total de 23 agressões, sofreu violência múltipla e foi a óbito. Não pretendo e nem posso julgar qualquer pessoa capaz de exercer tal massacre, apenas lamentar que isso possa acontecer.
Existe, em alguns seres humanos, uma maldade acentuada e a pulsão de morte encontra lugar onde se coloca. Características psicopáticas podem ter várias sócias e, de modo conjunto ou individual, podem levar a pessoa a ferir até causar o óbito.
É muito provável que o padrasto tenha cometido o homicídio de um ser indefeso e incapaz de reagir a todas as agressões com potência para o óbito. É possível que outras pessoas tenham participado. Meu desejo é que se faça justiça, depois de tantas investigações e depoimentos.
É fundamental que se provem os culpados pela conduta violenta e até psicopática. Nada do ocorrido sugere amor. Não encontramos nada vinculado a uma sociedade melhor. Devemos refletir para a melhora dos nossos comportamentos ao mais distante desse trágico acontecimento.
Como escreveu Mia Couto ao citar uma frase conhecida de Moçambique: “Não seguia o cuidado: a verdade tem perna comprida e pisa por caminhos mentirosos”. O cego mentiroso, ao não observar com cuidado as cores possíveis de serem vistas pelo homem, não enxerga sempre a verdade, pois as sombras atrapalham muito. Tudo costuma ser descoberto e, assim, a verdade há de surgir, mesmo onde costuma ser negada ou creditada a Deus, que deve ter olhos para outras coisas importantes também. Recordo dessa narrativa um pouco modificada, sendo dita pela minha mãe e outros familiares defensores do saber verdadeiro. A mentira sempre foi malvista por todos eles. “Os fatos só são fatos depois de serem inventados”.
Leitor amigo, recentemente o funeral do príncipe Philip, Duque de Edimburgo, trouxe-me algumas reflexões. É absolutamente fantástica a integração de personagens de uma das estruturas mais antigas do mundo moderno. Isso parece natural, sem nenhum tumulto e bem-feito. O homem integra tudo com perfeição, mesmo sabendo desagregar a civilização. O bom senso, o respeito, o amor, as hipocrisias, tantas diferenças são possíveis de conviver. Sonho e realidade podem e devem viver em harmonia e paz. Invenção do homem na luta cotidiana para não ser só biológica e física. Sempre é possível inventar outros cenários, outras histórias, outras formas de convívio.
ONDE?
Sem pés para o asfalto.
Não desejo cadafalso.
Dirigente máximo das sombras.
Sem nunca existir sombras.
Memória, floresta ausente.
Alma capenga presente.
Caminha sem poder.
Flutua sobre espaço.
Nunca levita.
Ampla luz aflita.
Inevitável desdita.
Por onde caminha?
Salto altos machucam
o asfalto da avenida.
Carlos Roberto Aricó
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