128. Hamlet 2
20/04/2021
No terceiro ato da peça, entre Polônio e Ophelia, na página 90 da publicação de 1870, em Lisboa, tradução de Bulhão Pato, que cito como está no livro, situa-se o solilóquio famoso, que analisa ao modo dele as pergunta básicas sobre identidade.
Sempre se busca responder de alguma forma as três questões que povoam a mente de cada um de nós: qual é nossa origem, de onde viemos? Quem somos, ou seja, qual nossa identidade? E para onde vamos? Nosso derradeiro porvir.
Eis que a citação e meus comentários a respeito da identificação no processo psicanalítico:
Página 90:
“Ser ou não ser - eis ahi a questão. Ha mais nobresa d’alma em supportar as ferroadas e frechadas da fortuna ultrajadora, ou em armarmo-nos contra um mar de dôres, e fazel-o parar, combatendo-o? Morrer… dormir, nada mais… e dizer que por este somno pomos termo aos males do coração, e às mil torturas naturaes, que são heranças da carne, eis um desfecho que deve ambicionar com fervor. Morrer… dormir, dormir! Talvez sonhar! - Sim, n’isto é que está a dificuldade. Quaes são os sonhos que podem sobrevir-nos n’este sonmo da morte, quando nos resgatamos dos apertos da vida? Eis aqui o que nos deve conter. - É esta reflexão que importa para nós a calamidade de tão longa existencia. Quem, com effeito, quizera supportar as flagellações e os despresos do mundo, a injuria do oppressor, a humilhação da pobresa, as angustias do amor regeitado, as tardanças da lei, a insolencia do poder e as potervias que o merito resignado recebe de homens indignos, se ficavamos quites com um simples punção? Quem quizera carregar com estes fardos, resmonear e suar debaixo de uma vida acabrunhadora, se o receio de alguma coisa depois da morte, d’essa região inexplorada, d’onde viajante algum voltou, não turvasse a vontade. e nos não fizesse supportar os males, que temos, com receio de nos arremessarmos aos que nos são desconhecidos? - É assim que a consciencia nos torna a todos em covardes; é assim, que as côres nativas de uma resolução amarallecem sob os pallidos reflexos do pensamento; é assim, que as empresas mais energicas e mais importantes se desviam de seu curso, a esta idéia, e perdem o nome de acção. - Devagar. agora! Eis a bella Ophelia… Nympha, em tuas orações lembra-te dos meus pecados”.
Ser ou não ser. Ser implica certo desprezo pelo corpo biológico e pode, assim, enfrentar as dificuldades poderosas da vida. Não ser equivale à morte. Dormir já foi visto como uma espécie de morte que fazemos para conservar nosso narcisismo. De tempo em tempo, vamos nos desligando do mundo externo e mergulhamos no sono.
É possível até sonharmos. O leitor já observou o enorme papel do sonho descoberto por Freud. Seguindo Hamlet, é sempre importante refletir diante de um mundo opressor, problemas amorosos causando angústias e pobreza provocando sofrimento e humilhação para os pobres. Pressupõem-se, várias vezes, problemas originados a partir da realidade. Lançam-se dúvidas sobre depois da morte e uma região inexplorada que habita cada ser humano em nossa complexa existência.
Ao lidar com o desconhecido, podemos originar covardias e medos infundados. Veja, leitor, são dúvidas demasiadamente humanas. Hamlet termina o solilóquio valorizando sua querida Ophelia, a qual ele próprio induziu ao afastamento definitivo. Não faltaram nesse teatro próprio da vida nem as contradições, tão frequentes na realidade.
MANGUEIRA
Mangueira, mangueira
nação verde-rosa.
Lava eterna de palavra,
gramática envolvente
no espinho e na flor,
na rosa flor e no Rosa.
Lava de encanamento,
Harmonia em movimento.
Tudo brilha no momento.
Mangueira, mangueira,
estação primeira,
pátria verde-rosa.
Do Cavaquinho, do Cartola
Da Beth Carvalho
e orvalho na Sapucaí.
Carlos Roberto Aricó
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