126. O futuro de uma ilusão
06/04/2021
O homem é o ápice da filogênese. Sempre existiram a natureza e as necessidade civilizatórias.
Coube ao ser humano, a partir de grupos pequenos ao de longo de milênios, enfrentar e controlar a natureza e, ao mesmo tempo, organizar, fazer e manter a civilização.
Freud acreditava que uma minoria poderosa foi transformando a maioria e, assim, viemos progredindo, ao domar nossos impulsos eróticos e agressivos em nome da civilização.
Como se sabe, o pensamento político de Freud sempre foi um verdadeiro conflito e inadequado. Talvez por falta de interesse nessa época, ao nascer da psicanálise.
Não temos nenhum modelo político e social forte e com racionalidade própria. Mas, sabemos que toda civilização foi feita ao longo da história por todos os seres humanos, em níveis e caminhos diferentes.
A história percorre e faz tudo na civilização. Só as epidemias ou processos revolucionários podem acelerá-la, mas o caminho para cada indivíduo não costuma ser muito diferente.
Os desejos pulsionais reprimidos são próprios de modelos civilizatórios articulados com o poder. Foucault, Marx e Marcuse descreveram muito bem essas articulações.
O poder ajudou e ajuda a fazer a história, mas cada indivíduo também. O social sempre é feito do sujeito com o outro, ou do indivíduo com outros indivíduos.
Existe, muitas vezes, uma compulsão para o trabalho e várias oposições a ele. As normas criam frustrações, privações e proibições para alimentar o narcisismo do indivíduo e, ao mesmo tempo, criar as leis da civilização para o domínio dos desejos humanos. Nesse mundo interno, até psicopático, quase nunca pode expressar-se.
Nunca se sabe exatamente o que houve para o homem fazer aquilo que deve fazer e nem sempre deseja fazer. Muita coisa transcende qualquer possibilidade ética.
A compulsão para o trabalho e a proibição dos desejos sofreram numerosas consequências e algumas hoje sobrevivem, mas muita coisa obriga-nos à busca ou crença nos processos religiosos normativos.
A religião certamente foi útil para frear o narcisismo humano erótico e agressivo. Também foi útil por proteger o homem no enfrentamento das forças poderosas da natureza. Pulsão de morte e amor tiveram de ser minimizados.
Quando crianças, acreditamos muito na força de nossos pais e das pessoas que cuidavam de nós. Depois, vamos relativizando essas forças e substituímos os já enfraquecidos pais pelo quase ilimitado poder dos deuses, próprios de cada forma religiosa. Assim, vamos criando ilusões para o controle, e nossas vidas, infelizmente, parecem não mais tão poderosas.
As religiões são sempre bem elaboradas, alimentam a ilusão dos indivíduos que têm na outra vida justificativa como poder para o controle das pulsões antissociais e, assim, fazem a civilização, ou ao menos auxiliam a evolução dos primatas até algo mais civilizado e aceito. E claro, também, mais adaptativo às leis.
Em alguns lugares do planeta, uma revolução cuida de diminuir a força e o poder de determinada religião, pois isso não deve ser justificativa para o bom comportamento humano.
É sempre complicada e injusta a associação religiosa ao poder político. O vínculo entre a onipotência divina com o homem sempre pecador diminuiu bastante as possibilidades do Estado laico, como deveria ser em todos os países. Religião para aqueles que possuam fé no imaterial, superior e bastante significativo.
Existem pessoas em grande número que não aceitam o Estado laico acostumado a criar normas de conduta a serem necessariamente obedecidas, para o benefício da civilização.
O leitor já percebeu que a religião tem resposta e explicação para tudo. Aquilo que não se conhece trata-se de um mistério que, só depois da morte, terá a elucidação necessária. Daí a importância de um estado laico.
Veja como é útil e até agradável a cosmovisão religiosa das perguntas que a ciência faz e não encontra resposta.
A religião sabe mais e responde a tudo, ou quase tudo, e assim substitui a racionalidade consciente e inconsciente das questões vitais que surgem do confronto dos indivíduos com os outros indivíduos e com a realidade natural existente e com a realidade objetiva.
Freud político parece ter sido muito equivocado e não valorizava a religião com o mesmo equivalente dos aspectos científicos. A ciência deve prevalecer nas dúvidas e, assim, gerar esperança. Para alguns, deve gerar a fé.
Nas próximas duas semanas escreverei sobre Hamlet.
UM POETA
Inútil buscar
formas tão perfeitas
de beleza.
Antes, muito antes,
de ser homem
sou inteiramente poeta.
Canto, sempre escolhi cantar.
Com ou sem adeus.
Até no pó das impossibilidades,
ainda sou poeta.
As palavras me habitam.
Os versos me habitam.
Tantos e tolos sons
inteiramente me habitam.
Carlos Roberto Aricó
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