114. Causalidade múltipla
01/12/2020
Prezado leitor, observaremos as hipóteses sobre a queda de um avião de porte médio. Não é frequente assim, mas também não consiste em uma raridade. As possibilidades sobre a aeronave variam entre os vários jornalistas e aquilo que se entende sobre aviões: engenharia, pilotos, pessoal especializado etc. Generalizando tudo, o acidente acontece porque a lei da gravidade, tão conhecida pelos físicos, permanece bem-estruturada e até permite cálculos matemáticos ousados e precisos.
O avião caiu porque ocorreu falta de combustível. Houve problema na própria mecânica. O piloto e/ou o copiloto tiveram problemas físicos ou até mentais. O voo corria em situação transfórmica bem adversa. Houve um atentado terrorista a bordo. As informações eletrônicas entre tripulantes e/ou com a torre do aeroporto falharam. A pista não estava adequada para o pouso.
Observamos apenas que o avião caiu e a enorme maioria deles chegou bem ao destino, mas esse cair em geral leva a mortes. Você, leitor, já percebeu que as causas para a queda são múltiplas e algumas permanecem fora do conhecimento humano desejado.
Conforme estamos escrevendo, existem hipóteses variáveis e múltiplas para a queda do complexo aparelho. Imagine os fenômenos humanos, biológicos e/ou psíquicos, considerando que somos quase infinitamente mais complexos em nossa individualidade do que todos os outros mecanismos das coisas que produzimos ao longo do desenvolvimento técnico.
A natureza humana, como normas, costuma ser muito complexa para o comportamento adequado ou até infeliz em cada indivíduo. Aquele que sofre e faz sofrer costuma ser estruturado de modo sempre muito complicado.
Quando enfocamos os problemas do homem, devemos atentar para a causa desses comportamentos que costumam esconder-se atrás dos nomes etiológicos expressos. Causas múltiplas. Determinações complexas. Variação de amplo espectro. Tudo e tanto bastante variáveis. Dúvidas, desconhecimento e esperança de mais cientificidade. É até difícil dizer que os humanos são primatas, levando em conta que têm uma parte genética e outra devida às articulações adaptativas no meio ambiente próximo.
Em outro texto, narrei várias histórias e fatos sobre o problema de “escolha da neurose” de Freud. Abordei a fixação em situações bastante psicanalíticas, zonas erógenas, traumas psíquicos, après coup e outros conceitos principais e metapsicologia.
Hoje o interesse aqui é escrever sobre a superdeterminação, ou determinação múltipla, para explicar o que faz o homem ser mais sadio ou mais perturbado para os comportamentos necessários a tratar dificuldades que encontramos no cotidiano. Existem pressões internas e externas dentro do indivíduo, no seu relacionamento com outros e com os obstáculos naturais envolvidos. É claro que existem, também, as barreiras criadas a partir da própria civilização. Tudo difícil e perigoso.
A teoria e a prática da psicanálise apressam-se sempre em apontar que existem várias causas para os sintomas psíquicos. Nunca se pode, ao longo de muitas sessões, encontrar somente uma ou poucas causas na produção sintomática dos humanos envolvidos. Daí o conceito de uma causalidade múltipla para elucidar algumas partes do psiquismo em estudo.
Do enorme conjunto de associações linguísticas envolvidas, vamos aos poucos fazendo uma compreensão do que estamos enfocando no conhecimento de um determinado indivíduo. Assim, vamos estabelecendo uma análise do psiquismo e sempre hipoteticamente pensamos nas formações de seu inconsciente, consciente. Agora, já podemos conhecer também o seu Ego, seu Superego e um pouco, é claro, de seu ID.
Aos poucos, vamos também percebendo uma determinação múltipla por estabelecer as defesas psicológicas do paciente e como todas as partes de seu psiquismo relacionam-se entre si. Existe, nesse contexto, muito desejo de explicar ao menos parte de um psiquismo bastante complexo, como venho enfatizando. Cria-se nessa perspectiva a hipótese de largo conhecimento. Isso é importante. A rigor, uma análise bem feita nunca termina. É possível descobrir e formular novas significações para tudo com que convivemos livremente.
Na busca e no encontro com a multiplicidade de fatores inconscientes, consegue-se, por meio do saber psicanalítico, a interpretação, a elaboração e construção de novas e importantes significações.
Em outro texto, já foi enfatizado o papel mais importante do psicanalista, ao fazer do jogo de significantes a produção de outros significantes, que assim possam enriquecer a vida psíquica, tanto sobre a ótica freudiana, como pelo famoso retorno de Lacan.
As ideias latentes transformadas em Freud para expressar deslocamento e condensação, em Lacan, metáforas e metonímias, objetivam aumentar a consciência e o psiquismo.
Dos sintomas psíquicos elabora-se uma nova razão, que é característica geral das formações inconscientes. O sintoma estruturado como uma linguagem nunca é unívoco com um significado também unívoco. Obedece a múltiplas associações linguísticas, tendo as falhas e sobreposições de sentidos. Assim, pode-se até afirmar que existam vários traumas inconscientes e, portanto, nunca esgotaremos as novas potencialidades de existência e experiência das investigações, questões e simbólicas articulações das palavras, produzindo acréscimo do psíquico.
EM CERTAS RUAS
Preto no branco.
Branco no banco.
Justiça, dinheiro,
servidão sem paradeiro.
Puta no asfalto
Navega em salto alto.
Salta no abismo.
Bem perto só cinismo.
Bem longe, o tal civismo.
Preto no branco:
que merda!
Carlos Roberto Aricó
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