11. Psicanálise e psiquiatria
13/08/2018
A psiquiatria explica muito sobre o comportamento humano, mas somente a psicanálise pode dar conta de certos fenômenos que, na maioria das vezes, causam alterações até permanentes em alguns indivíduos. Assim, Jaspers e Freud devem ser complementares em seus respectivos ensinamentos práticos e teorias. Idem para Bion e Henri Ey e Breuler e Lacan.
Breuler, quando assumiu a docência na Universidade de Zurique, foi um ilustre psiquiatra e também psicanalista. Como diretor da clínica em Burchülzi, levou adiante a teoria do inconsciente e, ao escrever sobre esquizofrenia, termo criado por ele para vários tipos de psicose, colocou em prática conceitos freudianos de bastante relevância. Nessa clínica na Suíça, país de múltiplas culturas, passaram vários alienistas famosos: Binswanger, Rorschach, Abraham.
Breuler e Jung fundaram a Policlínica Psicanalítica de Berlin, o primeiro centro de pesquisas em psicanálise muito influenciado por Freud. Foi lá onde Lacan fez estudos associando a esquizofrenia a descobertas linguísticas articuladas ao saber inconsciente.
Parece-nos lógico que devamos sempre levar em conta a psiquiatria associada ou complementada pela psicanálise, para certa compressão mais profunda do comportamento humano e seus transtornos. Felizmente, como foi assinalado anteriormente, há quase meio século isso foi realizado pelo autor destas palavras carregadas pela esperança de um ser humano melhor, um mundo real também melhor.
A negação da psicanálise ou da metapsicologia e suas consequências não ajudará o possível “tratamento” para se minimizar as alterações que possam dificultar muitas vidas. O combate ao sofrimento dos indivíduos é fundamental para nós, reféns do desequilíbrio e da loucura. A classificação de transtornos mentais e de comportamento, das doenças mentais dos indivíduos, é muito útil, conforme se verá adiante, pois ajuda a criar uma linguagem comum acerca do psiquismo. Quanto ao possível tratamento, certamente deve incluir práticas, em um aprimoramento constante.
O paralelismo neurológico-psíquico deve ser repensado levando-se em conta um pouco da história de Freud, na qual praticamente tudo começou. Estudando inicialmente as afasias e, em seguida, as paralisias, ele pôde enunciar o paralelismo físico e o psíquico, diferenciando ambos com propriedade. A confusão e mescla desses aspectos não foi aceita pelo inventor da psicanálise. A epistemologia deve separar explicações anatômicas, fisiológicas e neuronais, orgânicas, do psiquismo construído pela linguagem e, assim, a formulação inicial de consciente, pré-consciente e inconsciente relacionados à chamada Primeira Tópica. As instâncias ou lugares psíquicos são fundamentados pela associação de palavras, no âmbito dos significantes, e sempre mobilizados pelo desejo humano.
Em outro contexto, direi um pouco mais sobre as palavras homófonas ou homônimas, que, mesmo percorrendo as enervações próprias do sistema nervoso central, elaboram um psiquismo no qual ocorrem erros ou confusões que o psicanalista esclarecerá. Tais erros ou excentricidades linguísticas nem sempre são criados pelo inconsciente, mas a metapsicologia saberá compreendê-los de maneira linguística e peculiar ao saber freudiano. "Eu sei lá". "É muito interessante". "Não é nada disso". Palavras que podem referir-se apenas à insistência da cadeia significante. Centros corticais e abaixo dele não existem plenamente. São sempre associativos e organizados pela linguagem, em condensação e deslocamento, segundo o modelo freudiano, e em metáforas e metonímias, segundo o modelo lacaniano.
Até o início da psicanálise, Freud atendia em seu consultório pessoas com paralisias neurológicas e com paralisias verdadeiramente histéricas, nas quais a neuroanatomia, base do saber neurológico, estava plenamente ausente. Essas paralisias são, até hoje, construções linguísticas elaboradas na história neurótica de cada indivíduo. Às vezes, estavam associadas a enervações parciais inconscientemente e como aparências de verdade. Depósitos, cadeias, associações e sinônimos de palavras produzidos no inconsciente criavam alterações sempre psíquicas, motoras e sensitivas.
Como se observa, Freud deixou de lado a neurologia e passou a ver os estados histéricos como dotados de causas próprias. Já havia se libertado das ideias neurofisiológicas de Charcot e, portanto, já não se importava com a neuroanatomia do sistema nervoso central e periférico. Na busca da significação dos sonhos, dos lapsos de linguagem e dos sintomas, a etiologia era e sempre será vinculada à associação histórica e individual de palavras, associada ao desenvolvimento de cada indivíduo. Então, essa unicidade comportamental, unicidade de manifestações, é absolutamente própria de cada ser humano.
Como se observa aqui, verdade histórica e textual, como estudou Donald Spence, não interessa a teoria e prática do inconsciente. O até hoje idolatrado, ou visto como grande farsante, Freud já percebia, mesmo nos momentos iniciais, que a sedução dos clientes pelos próprios pais era estruturada de maneira fantástica pela chamada, logo depois, “Teoria da Sedução”. Esta diz respeito ao desejo e ao modo dos filhos serem tocados e desejados pelos pais, na grande maioria das vezes em fantasias, nas imaginações, em construções linguísticas. Sempre retranscrições, o après coup, nas quais o atual explica e modifica o passado de cada indivíduo. A verdadeira história perdeu-se.
O princípio da posterioridade será evocado em outro texto referente à etiologia das alterações psíquicas. O posterior explica sempre o anterior e, é claro, de modo impactante e transcrito nos limites do desejo, da motivação inconsciente, dos motivos dramaticamente ausentes, mas poderosos na memória, seja ela visível ou não.
Na próxima semana, escreverei sobre a importância das palavras no saber metapsicológico.
REFLEXÃO
Espelho, lugar inabitável,
só reflexos e reflexos sós.
Rostos alegres ou antigos rostos.
Desgostos, escassos sonhos decompostos,
a postos, impossível espaço.
Inimigo da memória,
vidro, cristal,
fracasso e glória,
reflete um só momento
ou toda história.
Superfície silenciosa,
ocioso espelho mágico,
das miragens, dos mitos, do mundo,
refletindo até a exaustão
pálidos momentos da percepção.
Poesia do livro “Luz e Sombra”, de minha autoria.
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