top of page

102. O suicídio e as tentativas 2

08/09/2020

Chamam-nos atenção os pacientes que, com frequência, falaram de morte, sonharam destrutivamente e investiram em excessos de vários tipos, como drogas, álcool, comida, trabalho e sono. São pessoas como nós, mas seus sintomas e a morte parecem estar sempre presentes nelas. Sofrem muito com quase tudo. Procuram um isolamento e a solidão não releva um sentido para a vida e o viver.

É claro que o nosso sentido para a vida não é absoluto e na maioria das vezes mudamos. Entretanto, nossa entrega a esse sentimento é poderosa e firme. Paradoxalmente, até as dúvidas podem constituir um sentido de vida, como já ocorreu aos filósofos e, por que não dizer, em nossas próprias vidas. Até a utopia, um lugar nenhum, um lugar impossível, pode ser nosso caminho. Viver sem caminho e sem sentido é mais difícil. Também a religião, o trabalho e tantos outros elementos podem motivar-nos, criando sentidos variados para nosso cotidiano.

Até que ponto podemos entender o ato suicida? Um esquizofrênico pode saltar do décimo andar batendo asas, ou melhor, os braços no encontro com Deus. Um depressivo grave pode achar tudo tão difícil e o único caminho para ele talvez em direção ao fim. Um ansioso, de modo atormentado, pode pôr fim a tudo até pelo enorme desequilíbrio pessoal. Assim por diante. Se der tempo, a hospitalização, condutas médicas apropriadas e conversação podem mudar muita coisa. Sabemos, infelizmente, que muitas vezes não dá tempo. Não existe esse intervalo capaz de chamar atenção dessas pessoas absolutamente atormentadas com a vida, sempre em questionamentos inúteis.

Parece-nos claro que também é bastante difícil evitar o ato suicida que sempre se origina por várias causas relacionadas. As respostas a tantas perguntas e a busca por explicações, na maioria das vezes, permanecerão desconhecidas. Vamos desconfiar das pessoas que se sentem um peso para os familiares, aquelas que vivem se culpando por tudo, aquelas que dizem ou se expressam em direção de um mundo insuportável. Nada parece valer a pena.

Para essas pessoas, viver é sempre muito mais difícil e sofrem por quase tudo ao redor. Freud disse e escreveu várias vezes que o suicida mata alguém dentro dele próprio. E isso é possível, mas a causalidade é sempre múltipla e as culpas são absolutamente inúteis. O nunca mais é doloroso e evitar o suicídio é muitas vezes impossível. Somos só relativamente donos de nosso próprio existir. A vida de cada um não nos pertence.

Uma pessoa que muda de trabalho, de cidade e de país é mais fragilizada. Por isso, merece mais atenção e carinho. Isso não tem nada a ver com os transtornos de comportamento já mencionados. Alguém com doença grave e incurável pode decidir pôr fim à vida, pois não acredita que possa ainda lutar. Conforme se observa, vida e morte caminham juntas e nem sempre é possível, ou até desejável, evitar o terrível drama que ora estamos enfocando.

Como se sabe, o suicídio em si é um ato estigmatizante, gerador de muita culpa e curiosidade mórbida também. Não se deve fazer nada sensacionalista, tanto na divulgação como no relato associado ao método letal que foi utilizado. Dentre jovens de 15 a 29 é a segunda causa de morte, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Vamos fazer todo o possível para mitigar essa atitude externa do nunca mais. Amor, carinho e atenção devem ajudar, mas nossa onipotência perante a morte não pode assumir grande proporção: somos impotentes, incapazes.

Como se trata de algo estigmatizante, entender o luto por suicídio entre os entes queridos não costuma ser fácil. O luto em si é irreparável e causador de muito sofrimento. Existem processos sociais associados com a culpa que influenciam todos os sobreviventes envolvidos. São dramáticos e impactantes e sempre vinculados ao sentimento de culpa, que faz das pessoas, de algum jeito, vitimas, por acharem que poderiam evitar o suicídio do ente próximo. Ou seja, muita onipotência no sentido de acreditar ser possível a negação da morte.

A família sente-se fragilizada pela perda e acredita falsamente que houve alguma omissão. Conversas, grupos de apoio e até psicoterapia devem ser realizados para todos os sobreviventes falarem sobre tão triste assunto que abala nosso suceder humano de muitas formas diferentes, sempre bastante personalizadas e dolorosas.


Na próxima semana abordarei “O suicídio e as tentativas 3”.

LUCIANA

Lu… o rei anda nu?
Errei na ciranda?
O rei obedece ou manda?
Lu… o rei ainda nu.
Eu rei, errei, nu,
onde choro e chorei, nu.


(poema de minha autoria)

© 2023 por Nome do Site. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • YouTube
  • Instagram
fim%20do%20vi%CC%81deo%20(3)_edited.jpg
bottom of page